terça-feira, setembro 30, 2008

G1: o desafio da Google ao iPhone

Para além das suas muitas maravilhas, o iPhone, da Apple, possui um trunfo invejável: a sedução mediática. De facto, só tal sedução poderá explicar as formas relativamente discretas com que tem sido noticiado e comentado aquele que, para todos os efeitos, é o primeiro grande concorrente ao poder de implantação da Apple no mercado dos telefones "futuristas" — surgirá através da operadora T-Mobile e chama-se T-Mobile G1: tudo nele, a começar pelo preço, constitui um muito directo desafio da Google ao iPhone.
Com software desenvolvido pela Android, uma companhia adquirida pela Google em 2005, e design da High Tech Computer Corporation, o T-Mobile G1 será lançado a 22 de Outubro, nos EUA, a um preço base de 179 dólares [127 euros pelo câmbio de hoje]. Na prática, para além das suas utilizações como telefone, biblioteca de imagens, arquivo de música, etc., etc., o G1 pretende fornecer ao consumidor os recursos típicos de um PC (ver The New York Times) — iPhone ou G1, that's the question.

"Entre os Dedos": realismo português

Entre os Dedos, um filme de Tiago Guedes e Frederico Serra — subi-tamente, o realismo. Em todo o seu esplendor, e com toda a sua tocante exigência humana e humanista. Não é caso único no cinema português (não entremos nos discursos "heróicos" que só têm prejudicado os filmes que fazemos neste nosso tão vunerável rectângulo). Mas é uma firme e brilhante afirmação de uma vontade de olhar o mundo à nossa volta, recusando, ponto por ponto, as facilidades formais e as imposturas morais dos formatos televisivos. Da delicada filigrana narrativa à rigorosa direcção de actores — com destaque para Filipe Duarte e Isabel Abreu —, este é um objecto de cinema onde nos podemos reconhecer. E comover.

>>> Entre os Dedos: estreia a 23 de Outubro.

Ruben Alves: jazz português, som universal

Viagens íntimas com o teclado por testemunha: Súbito é um álbum de Ruben Alves que celebra o piano numa fascinante encruzilhada — entre a metódica contenção da música de câmara e a sugestão (apenas a sugestão...) de um caos enraizado nos mais disponíveis improvisos. São sons portugueses de jazz a que talvez seja inevitável associar uma mágoa romântica, ou melhor, um sentimento romanesco que, sendo muito nosso, possui um apelo universal.

>>> Ruben Alves — hoje, dia 30, 23h00: Onda Jazz Bar.

Postais e mais postais

As suecas Those Dancing Days estão prestes a editar o seu álbum de estreia. A banda, que tem citado nos seus singles algumas referências de grupos de referência na história da pop feita no feminino (entre as quais Blondie ou Bow Wow Wow), apresenta mais um aperitivo para o seu álbum neste Home Sweet Home, com teledisco a revisitar a memória dos velhos postais de viagem.

O regresso de Alex Beaupain

O cantautor francês Alex Beaupain, que muitos descobriram através das canções que cedeu para filmes de Christophe Honoré como Dans Paris e, sobretudo, Les Chansons d'Amour, tem um novo álbum de originais. O disco, que se apresenta simplesmente com o título 33 Tours, é o sucessor do seu álbum de estreia, Garçon d'Honneur, de 2005. O disco sai pela Naïve (a mesma editora de Carla Bruni) e chega aos escaparates a 7 de Outubro.

Wagner dentro e fora do São Carlos

O Teatro Nacional de São Carlos abre hoje a sua temporada lírica 2008/2009 com a terceira das quatro óperas do ciclo O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner (1813-1883). Siegfried (estreada em Bayreuth em 1876) sucede assim a O Ouro do Reno (que passou pelo São Carlos em 2006) e A Valquíria (2007), novamente sob encenação de Graham Vick. Como nas produções anteriores, o espaço cénico ocupará o palco e praticamente toda a plateia do teatro. Depois da estreia de hoje haverá mais seis récitas, nos dias 3, 6, 9, 12, 15 e 18, todas pelas 18.30, salvo nos dias 12 e 18, com matinées às 16.00. Entre os dias 9 e 12 o largo frente ao teatro acolherá nova edição da Ópera no Largo, com projecções num grande ecrã. Ali serão revistas O Ouro do Reno (e um making of dessa primeira produção), A Valquíria e, nos dias 9 e 12, em directo do interior do teatro, Siegfried. Cada récita tem duração de 5 horas e meia (tempo calculado já com intervalo).

segunda-feira, setembro 29, 2008

Charlie Haden: a verdade das origens

"Family & friends". A família, porque a sua formação é indissociável de um gosto primitivo (familiar, justamente) pela música popular; os amigos, porque sem eles a aventura criativa de várias décadas nunca teria sido possível — aos 71 anos, o baixista Charlie Haden surge acompanhado por nomes como Vince Gill, Bruce Hornsby e Elvis Costello para nos propor um maravilhoso álbum de revisitação das suas raízes country e folk. É bem certo que o associamos, sobretudo, ao jazz, em particular através das suas colaborações com Ornette Coleman e Pat Metheny. Seja como for, este Rambling Boy permite-nos perceber, se dúvidas houvesse, que Haden nunca perdeu o contacto com as suas memórias mais remotas, cultivando-as como uma paisagem original onde o seu labor pode reencontrar sempre o sentido, e também a sensualidade, de uma ética — um disco sem máscaras, todo verdadeiro.

A IMAGEM: Mike Smith, 2008

Mike Smith
Las Vegas Sun
2008

Para não esquecer Paul Newman

A morte de Paul Newman desencadeou uma onda de comoção. Símbo-lo exemplar da idade de ouro de Hollywood e grande referência huma-nista, o seu trabalho foi recordado nos mais diversos quadrantes. Eis algumas sugestões de leitura:

>>> Obituário: The New York Times.
>>> Obituário: The Hollywood Reporter.
>>> Obituário e comentários: Le Monde.
>>> Depoimentos de personalidades de Hollywood: ABC News.
>>> The Huffington Post: memória de Karen Ocamb.
*****
O texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (28 de Setembro), com o título 'Para não esquecer Hollywood'.

No filme Cortina Rasgada (1966) [Torn Curtain - cartaz], de Alfred Hitchcock, há uma célebre sequência em que Paul Newman, na pele de um cientista americano, consegue roubar uma fórmula secreta a um cientista da Alemanha de Leste. Convém lembrar que tudo isso acontece em plena Guerra Fria, transformando o diálogo académico num inevitável confronto político e militar. De facto, Newman ignora por completo os estudos que o seu rival tem desenvolvido. Escreve uma fórmula sem nexo para explicar como os americanos encontraram a “solução”: ferido no seu orgulho, o alemão... revela-lhe a fórmula correcta.
Rezam as crónicas que as relações entre Hitchcock e Newman não foram pacíficas. Compreende-se porquê: o mestre do suspense vinha de uma escola de grande austeridade de representação, enquanto Newman, formado na interiorização emocional do Actors Studio (a par de outros símbolos incontornáveis dos anos 50 como James Dean e Marlon Brando), procurava sempre os segredos da “motivação” da personagem. Seja como for, o resultado é fulgurante: Newman consegue inscrever no ecrã um espantoso misto de agressividade intelectual, convicção política e perturbação emocional.
Tudo isso pode condensar a sua herança e também a vitalidade de um modelo de representação que marca toda a história moderna do cinema americano. No momento da morte de Newman, talvez seja importante lembrar aos espectadores mais jovens que a ideia (?) segundo a qual Hollywood é uma colecção de figurinhas de anúncio de shampoo, tipo Orlando Bloom, com muitos efeitos especiais a explodir à volta, não só é injusta em relação ao presente como favorece uma obscena ignorância face a uma riquíssima história de mais de um século (desgraçadamente, esse tipo de visão é muitas vezes alimentado pelas mais caricatas formas de “jornalismo”).
Newman pertence a um espaço criativo que nasce do cruzamento de duas componentes fundamentais: primeiro, uma fortíssima relação criativa com o mundo do teatro e, em particular, com as lições práticas e teóricas do Método de Stanislawski; depois, a consciência, a um tempo artística e crítica, da necessidade de reconversão das regras dos géneros típicos da produção das décadas de 30 e 40. Por alguma razão, um dos primeiros heróis interpretados por Newman foi Billy the Kid, personagem lendária do Oeste: em Vício de Matar (1958) [foto], sob a direcção de Arthur Penn, o seu heroísmo surgia rasgado por todas as emoções e vulnerabilidades. Nos nossos tempos de “super-heróis”, quase ninguém se lembra da beleza desse cinema.

Herman José como sobrevivente

A televisão popular tem sido decomposta a partir do interior: a cultura popular deu lugar ao populismo tecnocrático — os valores de uma economia gerida pelos números abstractos das audiências produzem o alheamento do factor humano e explicam a galopante desumanização mediática em que vivemos. Por cruel ironia, da televisão popular de outros tempos, A Roda da Sorte, com Herman José, representa um escasso espaço de nostalgia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Setembro), com o título 'Herman como sobrevivente'.

Há qualquer coisa de bizarro no reencontro com Herman José em A Roda da Sorte (SIC). Bruscamente, a simplicidade do concurso toca-nos muito para além das suas óbvias fronteiras. Por um lado, não vogamos num desses espaços de apoteótico disparate em que, com risonho cinismo, se fazem perguntas de “cultura geral” que tanto podem envolver o título de um romance de Faulkner ou de um quadro de Picasso como a identidade de uma “estrela” de Floribella ou Morangos com Açúcar. Por outro lado, nada aqui nos empurra para a degradação humana e o metódico achincalhar de partici-pantes (e espectadores), à “boa” maneira do Big Brother e seus derivados.
Basta olhar à nossa volta, para verificarmos que o triunfo da ideologia Big Brother é devastador. O seu efeito normalizador em toda a paisagem televisiva, desde os programas ditos de entretenimento aos espaços informativos, é mesmo, a meu ver, a grande questão cultural do nosso presente português (serenamente ignorada pela esmagadora maioria da classe política). Neste contexto, A Roda da Sorte emerge como hipótese de uma televisão naïf, apostada em não ceder à obscenidade reinante.
Sabemos, claro, dos limites do próprio formato. Não tenhamos dúvidas que, sem o talento de Herman, o concurso cairia numa rotina amorfa. A sua capacidade de manter um discurso a muitas vozes, uma espécie de coro das suas personagens mais emblemáticas (e outras que vai inventando pelo caminho), empresta a A Roda da Sorte um dos prazeres básicos do entertainment televisivo: o de ser um tempo sempre disponível para a auto-ironia.
Lembro-me de, há mais de vinte anos, ser acusado, inclusive por vozes vindas do interior da classe jornalística, do peca-do “intelectual” de defender a excelência criativa do “Tony Silva” e dos primeiros sketches de Herman. Agora, face à desolação televisiva, não posso deixar de reconhecer que o negrume da reality TV tomou o poder. E a tragédia não é que o discurso crítico, seja de quem for, continue a servir de bode expiatório (nada mudou, hélas!). A tragédia é que deixámos de poder ver Herman como um modelo de televisão popular: passámos a admirá-lo como um sobrevivente do próprio gosto de fazer essa televisão.
*****
O trabalho de Herman José sobre o nosso quotidiano — e também a sua espantosa colecção de vozes e personagens — encontra, actualmente, uma magnífica expressão na rubrica de rádio O Tal País (Antena 1: 08h55 e 17h55, de segunda a sexta-feira). Algumas das edições estão registadas em imagem — eis um exemplo, emitido a 1 de Agosto.

Os dois que são quatro

Lightbulbs, o novo álbum do colectivo Fujiya & Miyagi acaba de chegar aos escaparates. O grupo, que apesar do seu nome parecer indicar outra coisa nem é duo (são agora quatro) nem japonês, aposta em Knickerbocker como single de avanço. Aqui fica o teledisco.

Dylan estreia novo disco na Internet

O novo disco de Bob Dylan, na verdade uma colecção de gravações dos anos 80 e 90 a editar como volume da Bootleg Series, será estreado na Internet antes de chegar às rádios e lojas. Tell Tale Signs será disponibilizado para audição por streaming no site da National Public Radio, a rádio pública norte-americana, a partir de dia 30. O álbum terá edição a 7 de Outubro.

Conselhos a um novo presidente

Ontem, ao mesmo tempo que os canais nacionais "ofereciam" nova manifestação de nostalgia dos anos 80 ou infindáveis reflexões filosóficas sobre remates e afins, um magnífico momento de jornalismo televisivo foi-nos dado a ver pela CNN. Juntando em Washington cinco ex-secretários de estado norte-americanos (Henry Kissinger, James Baker, Warren Christopher, Madeleine Albright e Colin Powell), promoveu-se um debate franco, directo e claro sobre os desafios mundiais que o próximo presidente enfrentará. Moderado por Christiane Amanpour e Frank Sesno, o encontro percorreu o globo, tendo os cinco ex-secretários de estado contribuído com sugestões concretas ao novo presidente em cenários com o Irão, Afeganistão, Iraque, Rússia ou Sudão. Apesar de algumas diferenças de pensamento, houve mais momentos de unanimidade que o esperado, de um geral apoio a negociações com o Irão à necessidade de um reforço de auxílio do Afeganistão. O aquecimento global foi também encarado como preocupação de todos, inclusivamente por James Baker, da administração de Bush (pai), que na altura não assinou os acordos de Quioto. O aquecimento global gerou ainda o momento bom humor do debate. Madleine Albright (segundo mandato de Clinton), ao responder se o aquecimento global era preocupação à escala global, disse que sim, “excepto no Alasca”!... Gargalhada geral, mas com os demais participantes a lembrar que tinha quebrado as regras e aludido às candidaturas... Na verdade falou-se de candidatos pouco depois, quando de fora do palco chega uma questão que pede reflexão sobre o impacte global da eleição de um primeiro afro-americano para a presidência. James Baker, que apoia McCain, foi franco e honesto ao reconhecer que teria evidente impacte (disse em concreto “uma mensagem poderosa”) não apenas no mundo, mas na própria América. Madleine Albright, que apoia Obama, reforçou a ideia lembrando que a eleição do primeiro afro-americano seria uma grande mensagem ao mundo sobre o que a América representa como diversidade e potencial. Colin Powell, que não se manifestou ainda sobre o apoio a nenhum dos candidatos, frisou que não votará em McCain pela velha amizade que os une nem em Obama por negro. E sublinhou que estará atento aos debates, para ouvir questões concretas e não os fait divers que têm feito algum do noticiário da campanha. Uma transcrição integral do debate pode ler-se aqui.

Obama aumenta vantagem
O mais recente estudo de intenções de voto nas presidenciais norte-americanas devolve Barack Obama ao patamar dos 50%, que já havia atingido pouco depois da convenção democrata. Os números traduzem já os efeitos do primeiro debate televisivo entre os dois candidatos.

Barack Obama: 50%
John McCain: 42%

Política pop "made in USA"

>>> Este post é dedicado a todos os ideólogos portugueses (da televisão e do jornalismo) que insistem em garantir-nos que o entertainment, em Portugal, é igual ao de qualquer democracia do mundo e, mais do que isso, que o "funcionamento do mercado" justifica todos os obscenos atropelos da dignidade humana (*).

Lembram-se da polémica em torno de uma capa da revista The New Yorker em que Barack Obama e a mulher surgiam num cartoon que os representava como muçulmanos e na Casa Branca? Pois bem, num brilhante exercício de relançamento crítico dessa imagem, Jon Stewart e Stephen Colbert recriaram essa capa para a Entertainment Weekly — é uma proposta, plena de energia e humor, para olhar à nossa volta e resistir à facilidade preguiçosa dos clichés, sejam eles discursivos ou iconográficos. Mais do que isso: Stewart e Colbert dão uma entrevista conjunta à revista, reagindo contra as visões supostamente universais dos valores sociais e políticos.
Um bom exemplo é o modo como Stewart comenta a imagem de Sarah Palin como heroína folk. Diz ele: "Continuo a ouvir que ela é 'como nós'. Há esta ideia de que quem pratica a caça e tem 'bons' valores é uma espécie de americano mitológico. Não sei quem seja 'tal' pessoa, nunca a encontrei. Ela não é mais tipicamente 'nós' do que eu sou, do que Obama é, do que McCain é, do que é Mr. T."
Também a ler, na EW, são as mini-entrevistas com os próprios canditados sobre as suas referências culturais, filmes de eleição, shows de televisão preferidos, etc. — Obama e McCain.

(*) Antes de nos começarem a proclamar que a cultura popular só existe através de patéticos membros do jet-set que não conseguem construir duas frases seguidas com nexo, valeria a pena observarem que, mesmo na pátria do show business, as coisas não se passam assim. E não se pense que se trata de construir uma imagem paradisíaca seja de que país for (para vender paraísos de plástico já bastam as telenovelas que asfixiam a ficção portuguesa). Veja-se, a propósito, ainda na EW, um texto sobre os cruzamentos perversos entre combate político, cultura popular e popularidade televisiva. Quem o escreve? Um professor universi-tário "desligado" do espaço pop? Não. Apenas o mais popular dos escritores americanos: Stephen King.

Eleições americanas: o jogo dos símbolos

John McCain a ficar fora de campo por causa da súbita popularidade da sua candidata a Vice-Presidente, Sarah Palin? E Palin a impor-se, não exactamente como uma personalidade política, mas como uma imagem? Ou ainda: até que ponto Palin possui consistência para fazer durar as vantagens que, no princípio, parece ter trazido junto dos sectores indecisos do eleitorado feminino?
Seja qual for a simbologia que colarmos a esta extraordinária fotografia (Christopher Morris / VII), ela pode servir de sugestiva condensação daquele que é, talvez, o mais importante combate parcelar das eleições americanas de 4 de Novembro: o voto das mulheres de meia idade — a imagem é uma de várias dezenas que podem ser vistas no espaço da revista TIME designado por White House Blog.

Politicamente Hollywood

Hollywood são... efeitos especiais! Este esquematismo descritivo não passa de uma ideia oca que, desgraçadamente, continua a circular com incrível frequência (e, repare-se, ora para "denegrir" Hollywood, ora para "consagrar" a sua produção). Como é óbvio, a base tecnológica de qualquer produção é importante para compreender a sua dinâmica financeira e artística, mas não pode servir de caução seja para o que for. Ironicamente, estamos a entrar num período em que a politização de Hollywood é mais transparente do que nunca — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Setembro), com o título 'A pensar nos Oscars'.

Mais do que nunca, a imagem típica de Verão do cinema americano, dominada por blockbusters e “filmes de acção”, é escassa para dar conta das convulsões que atravessam Hollywood. Dito de outro modo: os filmes, mesmo não reflectindo directamente os debates da campanha das presidenciais de 4 de Novembro, estão recheados de referências a temas fortes, por vezes com polémicas conotações políticas. Alguns exemplos de títulos a estrear nos EUA até ao final de 2008: Body of Lies, de Ridley Scott, sobre a perseguição de um líder da Al-Qaida pela CIA [trailer na base deste post]; W., a biografia de George W. Bush por Oliver Stone; Milk, de Gus Van Sant, retrato do activista Harvey Milk, primeiro homossexual assumido a ser eleito para um cargo público nos EUA; Frost/Nixon, de Ron Howard, sobre as célebres entrevistas de David Frost a Richard Nixon, falando sobre o escândalo Watergate. Com tudo isto, não será arriscado prever que os Oscars de 2009 vão ser atravessados por muitos temas políticos. E isto, por certo, quer o inquilino da Casa Branca se chame McCain ou Obama.

Queer Pop 2008: algumas ideias

Com pequenos filmes e telediscos realizados por Derek Jarman para os Pet Shop Boys — na imagem: Opportunities (1989) —, terminou o Queer Pop 2008 (secção do Queer Lisboa 12, apresentada pelos autores deste blog).
Primeiro com uma revisitação dos anos 80, depois com algumas produções de 2007/08, finalmente com os Pet Shop Boys, as três sessões do Queer Pop deixaram algumas ideias fortes que talvez valha a pena sistematizar:
1) - a história dos telediscos faz-se de uma contínua "libertação" dos efeitos tradicionais do palco ou do estúdio de televisão;
2) - os elementos específicos da estética queer perpassam por experiências que tanto têm a ver com a invenção iconográfica como com a exploração de registos de natureza, não ilustrativa, mas ficcional;
3) - há, cada vez mais, um sentido de experimentação vocacionado para a discussão do próprio conceito de ecrã, suas regras de composição e figuração.
Fica, assim, um balanço: a forma de contar histórias (em telediscos) pode lançar muitas ambiguidades — temáticas e estéticas — sobre a percepção dominante dos géneros, das suas relações, das suas sexualidades e, inevitavelmente, também das suas imagens. Como uma espécie de rima sugestiva, e porque Domino Dancing foi uma das canções dos Pet Shop Boys reencenada pelas imagens de Derek Jarman, vale a pena deixar aqui o respectivo teledisco oficial, com assinatura de Eric Watson.

domingo, setembro 28, 2008

Resistir é vencer

Clássicos do século XX - 3
'Sinfonia Nº 7', de Dmitri Shostakovich
(1941)

Pode uma obra ser entendida com sentidos quase opostos? Pode, naturalmente. E um dos melhores exemplos desta aparente “contradição” pode ser encontrado na Sinfonia Nº 7 (habitualmente apresentada com o sub-título Leningrado) de Dmitri Shostakovich (1906-1975). Estreada em Março de 1942, numa Rússia sob cerrada invasão alemã, a sinfonia foi elogiada pelo Pravda e, logo, adoptada pelo regime, como um acto de patriotismo e um canto de resistência. Contudo, mais tarde veio a saber-se que, como de resto faria em outras obras suas, o compositor na verdade tanto reflectia aqui sobre a agressão alemã como sobre a repressão despótica da Rússia de Estaline. A sinfonia está disponível no mercado em diversas gravações. Uma delas representa uma gravação de 1988 pela Chicago Symphony Orchestra, sob direcção de Leonard Bernstein, um dos maestros ocidentais que mais divulgou a obra do compositor russo.

Disse, durante anos, o mito oficial, que Shostakovich teria começado a compor a sua sétima sinfonia sob o cerco de Leninegrado, onde então residia com a sua família. Testemunhos entretanto descobertos confirmam que, na verdade, havia já esboços de ideias e mesmo de um andamento, antes de chegado o exército alemão. Sabe-se, contudo, que muito do trabalho de composição avançou sob o bombardeamento da cidade, frequentemente o compositor tendo interrompido o trabalho para se refugiar, com a família, em abrigos. A dada altura, com o trabalho a meio, Shostakovich passou pelos microfones da rádio da cidade, para dar conta do trabalho em curso, numa breve declaração que dava conta de uma cidade que, mesmo sob bombardeamentos, continuava a trabalhar... Esta acção, entre outras mais, foram mediatizadas como sinal de patriotismo (algo caro ao ideário de Estaline) e de colaboração de um artista no esforço de guerra, chegando mesmo o compositor a surgir retratado como bombeiro, numa capa da Time. O trabalho da sinfonia, na verdade, seria concluído depois da família do compositor ter abandonado a cidade. A esta, contudo, dedicando depois a obra.

Longa, de resto a mais longa das sinfonias do compositor (habitualmente apresentada em versões que ultrapassam em pouco os 70 minutos), esta é uma obra que o tempo encarou de diversas formas. Ecoando heranças de Mahler e Stravinsky, apostando em sugestões cénicas (e não na construção de uma teia narrativa), ilustra marcas da identidade dos oprimidos através de claras alusões a tradições da música russa, sugerindo depois a violência da repressão que implacavelmente sobre eles se abate num adagio que sugere as intenções de um um requiem onde se retratam as ruas desoladas de uma cidade devastada.
Usada durante anos como peça de propaganda, a Sinfonia Nº 7 perdeu alguma visibilidade com o afastamento progressivo das memórias da guerra. Nos últimos anos, a sua identificação como, mais que apenas um grito de resistência ao invasor, uma reflexão sobre a vida sombria de uma Rússia sob o poder absoluto de Estaline, devolveu-a aos programas das orquestras e aos discos. Hoje é vista como um corajoso canto de resistência contra o poder de déspotas e tiranos.



Na imagem, um excerto do segundo andamento da sinfonia, numa interpretação da japonesa NHK Symphony Orchestra, dirigida pelo russo Valery Gergiev.

'Antônia' vence Queer Lisboa 12

Terminou ontem a 12ª edição do festival Queer Lisboa. A vitória na secção competitiva de Melhor Longa Metragem coube a Antônia, da brasileira Tata Amaral, que foi exibido como filme de encerramento. Os prémios de Melhor Actriz e Melhor Actor couberam ambos aos protagonistas de Barcelona (Un Mapa), de Ventura Pons, interpretados pelos actores Nuria Espert e Josep Maria Pou. O Melhor Documentário foi Darling! The Pieter-Dirk Uys Story, de Julian Shaw. E a Melhor Curta Metragem (votação do público) foi 69 Praça da Luz, filme brasileiro de Carolina Markowicz e Joana Galvão.

sábado, setembro 27, 2008

Paul Newman (1925 - 2008)

A Cor do Dinheiro (1986), de Martin Scorsese

Com a morte de Paul Newman, desaparece um dos derradeiros elos que ainda nos ligava directamente às grandes convulsões temáticas, artísticas e estruturais de Hollywood nos anos 50. Face à sua perda, precisamos, pelo menos, de não deixar a memória cair na banalidade mediática que tende a "descrever" os actores como seres mais ou menos fúteis e pitorescos, menosprezando a intensidade humana que o seu trabalho pode envolver — este texto foi lido aos microfones da Antena 1 (26 de Setembro).


Era uma notícia esperada — mas é uma notícia inevitavelmente, irremediavelmente triste. De facto, sentimos que desapareceu um dos monstros sagrados da mais nobre tradição de Hollywood: um grande actor, também um grande cineasta e uma figura pública sempre empenhada na defesa da dignidade humana.
Em termos especificamente cinematográficos, sentimos também que há um capítulo que, definitivamente, se encerra — os seus protagonistas eram três actores cuja fulgurância mudou o cinema americano em meados dos anos 50. Ou seja: James Dean, que teve um fim trágico em 1955, contava apenas 24 anos; Marlon Brando, que faleceu em 2004; e Paul Newman.
Todos eles passaram pela escola do Actors Studio, todos eles impuseram um novo modo de representar, inspirado no Método de Stanislawski e favorecendo a expressão das emoções mais recônditas, porventura mais proibidas, dos seres humanos. Um filme dessa época, Vício de Matar, realizado por Arthur Penn em 1958, pode simbolizar a revolução estética que Newman protagonizou — aí, ele interpretava a figura mítica de Billy the Kid, transformando-o num herói atormentado, expondo no écran as convulsões de todos os seus fantasmas interiores.
A mesma intensidade ficou em títulos lendários como Gata em Telhado de Zinco Quente (também em 1958), A Vida É um Jogo (em 1961), Buffalo Bill e os Índios (em 1976), O Veredicto (em 1982) ou A Cor do Dinheiro (em 1986) — no caso de A Cor do Dinheiro, por assim dizer. passando o testemunho a um dos seus herdeiros directos, o actor Tom Cruise.
Vale a pena lembrar que a última personagem de Newman foi apenas uma personagem de voz. Chama-se “Doc Hudson” e fazia parte das figurinhas do filme Carros, o desenho animado dos estúdios Pixar. Talvez seja um bom símbolo da excelência de Newman — mesmo só com a voz, ele sabia dar vida a uma personagem. Não tenhamos dúvidas: vamos sentir a sua falta.

>>> Obituário na BBC.

Queer Lisboa: Pet Shop Boys

A terceira sessão Queer Pop deste ano centra-se na obra em filme que Derek Jarman rodou para a música dos Pet Shop Boys. A sessão, hoje, pelas 18.00 na sala 2 do Cinema São Jorge, vai exibir, além dos dois telediscos que Jarman filmou para o grupo (It’s a Sin e Rent), sete curtas-metragens que serviram de cenário a outras tantas canções na sua digressão de estreia, em 1989. E completa o programa com duas curtas dos anos 70, revisitadas pelo realizador em inícios dos anos 90 para acolher novas canções desta dupla. A sessão é comentada pelos dois autores deste blogue.

Pet Shop Boys, Opportunities (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Heart (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Panninaro (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, It’s a Sin (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Domino Dancing – Alternative Mix (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, King’s Cross (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Always On My Mind (UK, 1989), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Violence (Hacienda Version) (UK, 1992), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Being Boring (UK, 1992), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, Rent (UK, 1987), de Derek Jarman
Pet Shop Boys, It’s a Sin (UK, 1987), de Derek Jarman

Antônia encerra o festival
O filme brasileiro Antônia, de Tata Amaral, encerra hoje, pelas 21.00 horas, o Queer Lisboa 12. Com acção centrada nas ruas de Brasilândia, uma enorme favela na periferia de São Paulo, o filme parte da história de uma girl band que ali se forma para acompanhar cenas do quotidiano de vivências que conhecem situações de descriminação, violência e homofobia.



Antônia, de Tata Amaral
Hoje, 21.00 – Sala 1, Cinema São Jorge

Um "refrão" que saíu pela culatra

As sondagens que a CNN apresentou pouco depois de terminado o debate são claras: Barack Obama venceu o primeiro debate televisivo para as presidenciais norte-americanas... Ou seja, venceu aquele que, à partida, teria sido o debate potencialmente mais favorável a McCain. Apesar do relativo “empate” nas questões de segurança nacional, opondo Obama uma agenda de novas ideias e diplomacia à aparente segurança de um discurso da continuidade face ao estilo Bush (sobretudo na demonização do inimigo) de McCain, a economia e o recentrar do objecto das preocupações no solo americano, no quotidiano dos seus cidadãos e, naturalmente, abordando a crise que tem abalado o país nos últimos dias deu clara vantagem ao candidato democrata. McCain abusou de um paternalismo antigo, e várias vezes fez questão de sublinhar que Obama “não sabe” disto e daquilo. O refrão, ensaiado e repetido vezes demais, perdeu o efeito pretendido (o eventual vincar da diferença do veterano perante o mais jovem adversário) e pareceu lição de escola de uma força do passado que não parece ter ideias, apenas chavões, para enfrentar uma voz do futuro. De facto, McCain usou excessivamente o passado. O “fui”, “estive”, “falei com”, “vi”, de tão enunciados, deram mais uma imagem de conhecimento que propriamente um plano de acção perante os factos imediatos do presente. Obama, que poderia ter aqui a sua noite mais difícil dos três debates, segurou o discurso sem refrões. Falou claro, revelou ideias, solidez e segurança. Respondeu, não vacilou. E, pelos vistos, deixou claro que pode liderar. A body language do debate foi também interessante de acompanhar. McCain olhava para baixo quando Obama falava e nunca tratou o rival pelo nome. Pelo contrário, Obama olhava e sorria para Mccain, tratando-o por John e chegando mesmo a enfrentá-lo na primeira pessoa. Resultado: 51% deu vitória a Obama contra 38 para McCain (sondagem CNN). Entre os eleitores, 59% das mulheres (parte significativa do voto indeciso ou que muda de partido, como frisaram os comentadores) optaram por Obama... Um dado importante, sem dúvida.

Obama lidera sondagem
Antes do debate, a mais recente sondagem da Gallup dava três pontos de vantagem a Barack Obama sobre o candidato republicano.

Barack Obama: 48%
John McCain: 45%

E sai mais um pudim

Terminamos hoje um mês de evocações à obra dos Blancmange, a propósito da reedição dos três álbuns desta dupla, um nome marcante, mas até aqui algo esquecido, entre a geração pop electrónica da Inglaterra de meados de 80. Referência hoje a That’s Love That It Is, um dos quatro singles extraídos do álbum Mange Tout, de 1984.

Morrissey e Marr... trabalham juntos

Bom, não é exactamente uma reunião dos Smiths, mas Morrissey e Johhny Marr colaboraram na nova antologia do grupo a editar em Novembro. Morrissey teve a ideia do título: The Sounds Of The Smiths. E Marr fez a masterização do disco...

sexta-feira, setembro 26, 2008

Um pequeno grande filme da Quercus

Espantoso spot sobre o aquecimento global: é uma produção da Quercus, sob o lema "Se nós desistirmos, eles desistem" — entenda-se: "nós" os seres humanos, "eles" os animais. Assim, num animação que conserva uma perturbante intensidade realista, são-nos apresentados três animais que, face à desolação da paisagem, cometem suicídio. É um exercício brilhante, directo e pedagógico, que remete, afinal, para um atitude eminentemente política face à degradação do meio ambiente — vale a pena ver.



Nas margens do spot, importa voltar a reconhecer um fenómeno igualmente perturbante: a inteligência atrai a frivolidade moral e, pior do que isso, a ignorância estética. Assim, porventura inevitavelmente, podemos perceber pelos meios de comunicação que já apareceram as vozes alarmistas — e como é que as crianças vão interpretar uma "coisa" tão complexa? É espantoso, de facto: não só se desresponsabilizam automaticamente os adultos que estão com as crianças, como se renova todo um dramatismo "profilático", enquanto se passam os dias com as nossas crianças a serem injectadas com Morangos com Açúcar e muitas outras formas de lixo cultural e... ninguém diz nada.
Entretanto, uma rápida viagem pelo "debate" na Internet permite também perceber que há muito boa gente preocupada com a "inverosimilhança" da mensagem — os animais não se suicidam. Ainda mais espantoso: de repente, como se estivéssemos em pura reality TV, a ficção está "obrigada" a viver de um naturalismo imediatista e pornográfico. Será que o Pinóquio é uma banalidade porque os narizes das pessoas não crescem assim? E o pobre do Kafka, o que que é ele estava a pensar quando escreveu a Metamorfose? Um homem transformado em insecto? Julgam que nos deixamos enganar? Isto para não falar, claro, desse filme sem nexo que é Encontros Imediatos do Terceiro Grau. Não sabiam? Ainda hoje o pobre do Spielberg não conseguiu provar que aqueles extraterrestres vieram visitar o nosso planeta... Francamente, ponham na ordem os contadores de histórias!

Heranças de Pollock

Os Shortwave Set lançaram, há já algum tempo, o seu segundo álbum, Replica Sun Machine. A banda britânica, que cruza linguagens “tradicionais” da escrita de canções com práticas da era da samplagem, extraiu já três singles deste álbum. Um deles é este No Social, com teledisco que pisca o olho à obra de Jackson Pollock...

Hot Chip gravam Joy Division

Os Hot Chip gravaram uma versão de Transmission, dos Joy Divison, para o alinhamento do álbum Heroes, disco de beneficência que a War Child vai lançar ainda este ano. Beck participa no mesmo álbum com uma versão de Leopard-Skin Pill Box Hat, de Bob Dylan.

Sobreviver à tragédia

O mais recente filme do italiano Ferzan Ozpetek, Saturno Contro, passa hoje à noite na Sala 1 do Cinema São Jorge, integrado na secção competitiva do Queer Lisboa 12. O filme revela-nos um círculo de amigos na Itália dos nossos dias, as suas distintas vidas profissionais e pessoais, orbitando todos eles em volta de um pólo agregador. Ele é Lorenzo, jovem adulto que subitamente é vitimado por um derrame cerebral. A tragédia assombra o núcleo de amigos, acompanhando Saturno Contro o enfrentar do medo e da dor.



Saturno Contro, de Ferzan Ozpetek
Hoje, 22.00 – Sala 1, Cinema São Jorge

O álbum que o tempo "esqueceu"

Discografia Duran Duran - 34
'Liberty' (album), 1990

Frequentemente apontado como o pior álbum dos Duran Duran, Liberty é perfeita tradução de uma etapa de evidente desnorte na carreira do grupo. Com formação novamente alargada a cinco elementos, o grupo começou a trabalhar no álbum em meados de 1989, depois da Electric Theatre Tour. Em Outubro, com Chris Kimsey na produção, entraram em estúdio, prolongando-se os trabalhos até Março de 1990. O álbum revelaria uma inconsequente face rock mais dura que, todavia, não representa a totalidade do alinhamento. Sobreproduzido e repleto de exemplos de composição sem rasgo de inspiração, Liberty é hoje essencialmente recordado pelo single Serious e, ocasionalmente, por My Antartica e Downtown canções que herdam a linha electrónica textural dos Arcadia. Em 1999 um bootleg surgiu revelando gravações da etapa de trabalho nas maquetes, na qual além de versões mais simples dos temas gravados no álbum surgem outros, ainda incompletos que, como diriam alguns elementos do grupo mais tarde, sugeriam então que ali poderia ter nascido um grande álbum. Não foi bem o que aconteceu. Sovado pela crítica, Liberty não foi igualmente um caso de sucesso junto do mercado. E foi o primeiro álbum da discografia da banda a não conseguir sequer o certificado de ouro (platina nem vê-la...) nos EUA ou Reino Unido.

A IMAGEM: Wally McNamee, 1994

Wally McNamee
Bill Clinton (acto público de promulgação
de uma lei na área da Segurança Social)
1994

Bush não morreu

Para compreendermos este cartaz do filme Morte de um Presidente não precisamos apenas de saber que estamos perante uma ficção política, construída a partir da hipótese de George W. Bush ter sido assassinado. Precisamos também de ter em conta a referência que surge na base do cartaz — 27 de Outubro (data de estreia nos EUA) —, uma vez que essa é uma data de 2006. Ou seja: estamos a descobrir este filme com dois anos de atraso, completamente fora da conjuntura em que foi concebido — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Setembro), com o título 'A história do assassínio de... George W. Bush!'.

Seja qual for o ângulo a partir do qual observemos um filme como Morte de um Presidente, é bem provável que seja um ângulo equívoco. Reparemos, desde logo, na conjuntura (portuguesa) em que aparece. De facto, quer queiramos, quer não, esta história do assassinato de um Presidente dos EUA vais ser vista como algum tipo de “resposta” ao momento eleitoral americano, quanto mais não seja porque faltam poucas semanas para a eleição do sucessor de George W. Bush.
Daí que seja de elementar justiça (para os propósitos do próprio filme) começar por lembrar que estamos perante uma produção com dois anos, lançada a 27 de Outubro de 2006 nas salas americanas. Que é como quem diz: qualquer tipo de paralelismo entre o filme e o actual momento eleitoral, tentando ler o primeiro como “co-mentário” do segundo, é completamente deslocado e arrisca-se até a adquirir uma abusiva dimensão “anedótica”.
Depois, importa sublinhar a componente mais bizarra, e também mais perturbante, do filme dirigido por Gabriel Range (argumentista, produtor e realizador vindo da área da televisão). É uma componente típica das mais extremas ficções realistas & imaginárias: acontece que o presidente assassinado no filme é... George W. Bush.
Qual é, então, o registo de Morte de um Presidente? Uma espécie de “ficção político-científica”, perguntado o que aconteceria nos EUA se o Presidente em exercício fosse assassinado? Sim, sem dúvida. Mas com uma dimensão muito menos especulativa do que este enunciado pode fazer supor. Na verdade, além de a cena que justifica o título do filme ser muito breve, e também muito pouco explícita, o que mais conta é a reflexão em torno do próprio momento em que tal acontecimento ocorre (ou em que é ficcionado).
Morte de um Presidente acaba por ter muito pouco de futurismo (o que aconteceria se o Presidente fosse assassinado?), para funcionar como um exercício de interrogação política (onde é que a acção deste Presidente nos colocou?). O trabalho de Gabriel Range procura, assim, discutir dois temas fulcrais: primeiro, as consequências do envolvimento militar dos EUA no Iraque; segundo, o agravamento das tensões resultantes de algumas polémicas medidas de carácter social e laboral.
O mais insólito é que tudo isto nos surge no típico registo de docudrama: aliança do olhar documental com a reconstituição dramática de algumas situações. Com a particularidade de, desta vez, se estar a “reconstituir” algo que... nunca aconteceu. É um bom e desconcertante exemplo das actuais relações entre documentário e ficção e, mais do que isso, das alianças possíveis entre a verdade dos factos e o artifício das linguagens audiovisuais.

quinta-feira, setembro 25, 2008

O neo-marxismo-leninismo

Já sabíamos que os consumidores mais jovens constituem um alvo preferencial das televisões contemporâneas. Veja-se as teleno-velas "juvenis": aí, as personagens adolescentes surgem reduzidas a estúpidas máquinas sexuais e a painéis amorfos de gadgets consumíveis, deambulando entre telemóveis e o mais recente gel no cabelo, tudo embalado em requentadas recriações musicais de duplos de Vanilla Ice.
É um mundo empenhado em tirar partido do vazio de ideias e pensamentos que faz lei no quotidiano mediático (afinal de contas, não nos podemos esquecer que vivemos num país em que a palavra "intelectual" continua a ser usada como forma automática de insulto). Sintomaticamente, esse trabalho de ocupação ideológica, no seu frio calculismo, vai-se apropriando dos restos simbólicos que a própria história lhe concede.
Derradeiro exemplo de tal processo é este cartaz de Morangos com Açúcar que invadiu as nossas ruas: não só se promove a luta de classes como, em típico e banal gesto de marketing, se proclama que o produto para vender é melhor que o da concorrência — esta é a "verdadeira" luta de classes.
Se ao menos tivessemos uma classe política com gosto de pensar e discutir o mundo à sua volta — a começar pelo mundo da nossa juventude —, alguém viria denunciar a mediocridade argumentativa da ocorrência. Eventualmente, alguém de esquerda viria lembrar as raízes marxistas-leninistas de tal terminologia... Eventualmente, alguém de direita viria resistir aos sentidos histórico-ideológicos de semelhante formulação... Mas como não temos nada disso, só nos resta esta juvenil felicidade. E, nesta ditadura da irrespon-sabilidade, quem não é feliz, é suspeito.

Um "erro" acertado

Os Last Shadow Puppets vão extrair um terceiro single do seu álbum de estreia The Age Of Understatement. Chama-se My Mistakes Were Made For You e tem já um teledisco, rodado nos míticos Pinewood Studios, por Richard Ayoade.

Franz Ferdinand terminam gravações

Os Franz Ferdinand terminaram já a gravação do seu terceiro álbum, que deverá ser editado em inícios de 2009. O disco, segundo avança o NME, será dançável, mas menos “furioso” que os dois anteriores...

Queer Lisboa: Entre o sonho e o medo

Hoje à noite, a sala 1 do Cinema São Jorge acolhe o filme italiano Senza Fine. Rodada em Turim, esta primeira longa-metragem de Roberto Cuzzillo é um olhar lírico, esteticamente cuidado, com tranquilo sentido de espaço e tempo, sobre a vida de duas mulheres cujos planos de vida passam pela vontade de ter um filho por inseminação artificial (algo que a actual lei italiana não permite) mas que se confrontam com outros inesperados factos que turvam o seu futuro imediato. Tão importante quanto a condução narrativa revela-se aqui um trabalho de câmara com gosto pela procura da imagem, assim como uma banda sonora, por vezes de grande peso protagonista, que segue a linha de algumas composições pós-minimalistas que o cinema tem exibido nos últimos tempos.



Senza Fine, de Roberto Cuzzillo
Hoje, 22.00 – Sala 1, Cinema São Jorge

O golpe de "teatro" de McCain

Subitamente, na noite de 24 para 25 de Setembro, o senador John McCain veio anunciar que suspendia a sua campanha, de modo a poder regressar a Washington e ajudar no trabalho legislativo para tentar superar a grave crise financeira em que os EUA mergulharam. Foi assim.



Na prática, esta tomada de posição traduz-se na retirada de McCain daquele que seria o primeiro debate (marcado para sexta-feira à noite, madrugada de sábado em Portugal) entre o republicano e o democrata candidatos à Casa Branca. Rapidamente surgiu a resposta de Barack Obama, considerando que o debate se deve realizar, não apesar da situação económica, mas por causa dela — como ele lembrou, o homem que for eleito daqui a cerca de 40 dias, vai ter que "lidar com esta confusão".



Bizarra conjuntura, sem dúvida. Mesmo que possamos encarar o gesto de McCain como uma simples manifestação de patriotismo e responsabilidade política, essas são componentes automaticamente desvalorizadas por um efeito muito prático de tal gesto: a sua retirada do próprio espaço mediático de discussão de tudo o que está em jogo nos EUA, e em particular de discussão com o outro candidato.
Aliás, atentos a tal contradição, alguns democratas já chamaram a atenção para aquilo que seria um "golpe" do campo de McCain. O mais desconcertante é que a "teatralidade" do discurso de McCain parece nascer de um desconhecimento real da paisagem mediática — e, em particular, televisiva — em que, hoje em dia, acontece o combate político. Como se uma personalidade política acreditasse que os seus estados de alma podem determinar a organização dessa paisagem.
Para a história, esta retirada de McCain ficará como insolitamente naïf. É bem verdade que, por vezes, a ingenuidade (real ou aparente) adquire uma imensa força política. Resta saber se, num mundo tão mediaticamente cruel, McCain não começa, aqui, a encenar o princípio do seu próprio fim.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Brad Mehldau revisita os... Oasis

No seu mais recente álbum, o duplo Live, o Brad Mehldau Trio revisita alguns temas de raízes pop/rock, incluindo Wonderwall, dos Oasis — podemos escutar a sua sofisticada recriação no site oficial de Brad Mehldau, no espaço da editora Nonesuch, ou ainda no programa "Song of the Day" da NPR. As gravações provêm de uma série de concertos, realizados entre 11 e 15 de Outubro de 2006, no Village Vanguard, de Nova Iorque. Para nos situarmos, podemos também voltar a ouvir (e ver) o tema clássico dos Oasis, incluido no álbum (What's the Story) Morning Glory (1995).

Jenny Lewis: opus 2

Nascida em 1976, em Las Vegas, Jenny Lewis foi uma menina-prodígio de algum cinema americano mais ou menos independente — vimo-la, por exemplo, em 1998, no belíssimo Pleasantville, de Gary Ross. Nesse mesmo ano, formava-se o colectivo Rilo Kiley, banda indie a que a voz e as composições de Lewis iriam conferir uma marca inconfundível. Depois de três álbuns integrada no grupo, Lewis estreou-se a solo (aliás, com The Watson Twins) em Rabbit Fur Coat (2006), álbum atravessado por um desencanto melodramático de claras raízes folk, embora nunca perdendo um feeling de rock alternativo. Depois de mais uma gravação integrada nos Rilo Kiley, Under the Blacklight (2007), Lewis reaparece agora com um projecto na primeira pessoa: Acid Tongue. Pelos sons disponíveis no site oficial e no MySpace, podemos esperar uma continuação coerente, porventura ainda mais depurada.
Entretanto, vale a pena voltarmos a escutar Rise Up With Fists, tema de fortíssimo poder encantatório, incluido em Rabbit Fur Coat — o teledisco tem como convidada principal a multifacetada Sarah Silverman e inspira-se na ambiência de Hee Haw, show televisivo de música country produzido em Nashville.

Música de "intervenção"

A campanha de Barack Obama acaba de lançar uma compilação na qual reúne uma série de canções de figuras como Kanye West, Sherryl Crow ou Stevie Wonder. Yes We Can: Voices of a Grassroots Movement, assim se chama o álbum, está disponível, para já, apenas por download arravés do site oficial da campanha, em barackobama.com. Depois das eleições uma versão em CD chegará às lojas. O disco, naturalmente, é apresentado, sem rodeios, como mais uma ferramenta de recolha de fundos... O alinhamento mostra uma opção próxima do mainstream, apesar de sabido o apoio de muitas figuras e bandas de outras esferas (nomeadamente a comunidade “indie”) à campanha do candidato democrata. Bela ideia... Resta saber se McCain responde com uma outra compilação. Mas, a avaliar pelo lixo cantante que este levou à convenção republicana, não parece que se aventure por semelhantes caminhos...

Obama mantém vantagem
O mais recente estudo de intenções de voto da Gallup dá três pontos de vantagem a Obama sobre McCain, o que na verdade pouco passa de um empate técnico. O primeiro debate televisivo é esta sexta-feira. Muitas coisas se decidirão ali...

Barack Obama: 47%
John McCain: 44%

Loving the aliens

Está aí a chegar Luna, o segundo álbum dos The Aliens, colectivo que reúne três ex-Beta Band. O single de avanço é o belíssimo Magic Man, aqui num teledisco realizado por John McLean e Christian McKenzie.

E depois de 'Little Britain'...

Matt Lucas e David Walliams, os dois autores e protagonistas de Little Britain, vão fazer um filme. Ainda sem revelar mais detalhes, avançaram apenas à BBC que cada um irá interpretar cinco a seis personagens no filme.

Queer Lisboa: na Itália dos nossos dias

O Queer Lisboa 12 apresenta hoje, pelas 21.30, na sala 3 do Cinema São Jorge, o filme Improvvisamente L’Inverno Scorso, da dupla italiana Gustav Hofner e Luca Ragazzi. Jornalistas e juntos há já alguns anos, saíram para a rua com uma câmara para descobrir uma Itália que, sob sugestão do Vaticano, se levantou contra a lei que poderia ter legalizado os direitos dos casais em união. Escutando ambos os lados (se bem que um deles pouco dado a falar...), o documentário é, acima de tudo, um retrato do evidente poder que a Igreja tem sobre a política italiana ainda nos nossos dias...



Improvvisamente L'Inverno Scorso, de Gustav Hofner e Luca Ragazzi.
Hoje, sala 3, pelas 21.30

terça-feira, setembro 23, 2008

Alain Resnais: o cineasta do ano?

De Alain Resnais, já tinhamos visto este ano um dos mais sérios candidatos ao título de melhor filme do ano: Corações (2006). Digamos, então, para simplificar que, agora, Resnais passa a ter dois filmes nessa mesma condição. O outro é, de facto, anterior — Nos Lábios Não (2003) — e foi recentemente lançado, directamente em DVD. Que é como quem diz: algo continua mal num mercado que vive destas "esperas" (cinco anos...) e já não consegue dar visibilidade a tão sofisticado produto, já agora, por mero acaso, assinado por um dos mestres absolutos da história do cinema (bastaria a sua primeira longa-metragem, Hiroshima Meu Amor, lançada em 1959, para lhe conferir esse estatuto).
Que nos propõe, então, Resnais? Mais uma variação musical, ou melhor, uma deambu-lação pela música. Nos Lábios Não — a tradução correcta seria "Na Boca Não" (Pas Sur la Bouche) — adapta uma opereta dos anos 20, de André Barde e Maurice Yvain, tecida a partir de um labirinto de relações que, por um lado, põem à prova as muitas hipocrisia sociais e, por outro lado, são vividas/encenadas através de uma calculada cumplicidade com os espectadores — Resnais transfigura essa cumplicidade teatral em deliciosos momentos de "diálogo" das personagens com a câmara.
Reencontramos, aqui, a excelência de uma troupe de actores que Resnais adoptou há muitos anos e muitos filmes: Sabine Azéma, Pierre Arditi [os dois na foto] e Lambert Wilson são impecáveis como sempre, lado a lado com Audrey Tautou, Isabelle Nanty, Daniel Prévost e Darry Cowl. E reencontramos, acima de tudo, a elegância milimétrica de uma mise en scène que, para além do seu subtil humor, vive a partir de um constante desafio do espaço e do tempo — observem-se as espantosas soluções de Resnais para mudar de cena, mudando apenas alguns elementos do cenário, mas conservando a estrutura cenográfica global (com a escadaria de madeira).
Em resumo: este é um exercício cinematográfico cujo sereno e assumido primitivismo o coloca na linha da frente do cinema contemporâneo, celebrando a narrativa fílmica como um modelo único de apropriação do mundo — e também da sua sábia e enigmática distanciação.

"Mad Men" faz história nos Emmys

Ao arrebatar o Emmy de melhor série dramática referente a 2007, Mad Men entrou para a história da televisão americana: trata-se da primeira série a ser difundida no cabo, sem codificação (basic cable), a conseguir tal distinção. Produzida por Matthew Weiner (que esteve ligado, durante duas temporadas, a Os Sopranos), para o canal AMC, Mad Men retrata a actividade de uma agência de publicidade, nos anos 60, em Nova Iorque. Eis o trailer da segunda temporada.



>>> Emmys 2008.

Queer Lisboa: Os "amigos" de Alex

O Queer Lisboa 12 apresenta hoje, pelas 22.00 (na sala 1 do Cinema São Jorge) o filme XXY, da argentina Lúcia Puenzo. Com evidente relação com uma nova cinematografia argentina da qual conhecemos, por exemplo, o magnífico La Niña Santa, de Lucrecia Martel, esta é uma história de um conflito interior que se projecta no universo ao seu redor. O conflito mora no corpo de Alex, que nasceu hermafrodita e que até aqui vivera essencialmente com as feições (e comportamentos) no feminino. Ao deixar de tomar a medicação que reprime o seu “outro eu” (físico e, também, comportamental), a dúvida chega e assombra: afinal, quem sou eu? Filha de um biólogo marinho, vivendo numa pequena comunidade piscatória no Uruguai, Alex vivera até aqui relativamente resguardada da curiosidade. Rumores que se espalham e a visita da família de um cirurgião (nele sendo esperada uma eventual solução para Alex) acentuam as suas dúvidas e medos. Filme de cores tão contidas quanto as emoções em volta de Alex, XXY confirma ainda na protagonista (Ines Efron, que no ano passado vimos em Glue) uma grande actriz em afirmação.



XXY, de Lúcia Puenzo
Hoje, 22.00 – Sala 1, Cinema São Jorge

Fantasmas em acção

Editado no pico do Verão, o álbum de estreia dos Black Ghosts passou um pouco a leste das atenções. E vale a pena regressar a este disco com dois meses de vida pública, o primeiro álbum de originais de dois ex-Simian (um deles, Simon Lord, tendo recentemente lançado um disco a solo como Lord Skywave). Aqui fica Repetition Kills You, um dos singles já extraídos de The Black Ghosts, no qual o duo conta com a colaboração de Damon Albarn. Realizado por Skill Wizard e Lamo, o teledisco recorre a um dispositivo de construção de imagens em movimento que evoca técnicas da animação stop motion, e no qual se cita ora a linguagem ligada à marca de roupa American Apparel ora um clássico “teledisco” de Bob Dylan (o de Subterranian Homesick Blues, por D.A. Pennebaker), mas com bonés no lugar dos velhos cartões.