sábado, fevereiro 09, 2019

Cremilda Gil (1927 - 2019)

mubi.com
Protagonizou uma carreira multifacetada ao longo de mais de meio século: a actriz Cremilda Gil faleceu no dia 8 de Fevereiro, na sua casa de Évora — contava 91 anos.
Foi no palco que se começou a distinguir, em particular no D. Maria II — A Visita da Velha Senhora e Madame Sans-Gêne são algumas das peças da primeira fase da sua carreira. Desde o começo da década de 60, foi uma presença em destaque na televisão, afinal o meio de expressão em que surgiu com mais regularidade — impôs-se como uma secundária de talento em "tele-teatro" (nos primeiros anos da RTP), filmes e séries. No cinema surgiu em títulos tão diversos como Raça (1961), de Augusto Fraga, Domingo à Tarde (1965), de António de Macedo, Brandos Costumes (1975), de Alberto Seixas Santos, Um Adeus Português (1985), de João Botelho, ou A Divina Comédia (1991), de Manoel de Oliveira.

>>> Minutos iniciais de Um Adeus Português.


>>> Obituário no Diário de Notícias.

sexta-feira, fevereiro 08, 2019

Sexo x 4

Estas duas imagens coloridas são mesmo para ser tomadas à letra: os novos perfumes S&X definem-se através das suas conotações sexuais. Questão de corpos, entenda-se, encenados não como meros destinários do produto, antes como símbolos activos do imaginário sexual que, justificadamente ou não, enquadra a sua promoção.
Para completar a mensagem, o fotógrafo britânico John Rankin Waddell, ou apenas Rankin, concebeu uma especialíssima campanha com a agência 'The Full Service' (honni soît...). São quatro videos a preto e branco, contrariando a lisura assexuada do digital, celebrando a pluralidade dos corpos e respectivos encontros — todos os géneros, todas as idades, eis os enigmas primitivos do olfacto transfigurados em videoclip.







quinta-feira, fevereiro 07, 2019

Beck inspira-se no filme "Roma"

Alfonso Cuarón decidiu convidar alguns dos músicos que mais admira a criar canções inspiradas no seu filme Roma. O resultado é um álbum que se intitula, precisamente, Music Inspired by the Film Roma. Com um alinhamento de respeito:

01. Ciudad de México – “Tepeji 21 (The Sounds of ROMA)”
02. Patti Smith – “Wing”
03. Beck – “Tarantula” (Colourbox cover)
04. Billie Eilish – “WHEN I WAS OLDER”
05. Bu Cuarón – “PSYCHO”
06. UNKLE – “On My Knees” (ft. Michael Kiwanuka)
07. Jessie Reyez – “Con El Viento”
08. El-P / Wilder Zoby – “Marooned”
09. Sonido Gallo Negro – “Cumbia del Borras”
10. Quique Rangel – “La Hora Exacta”
11. Ibeyi – “Cleo Who Takes Care of You”
12. DJ Shadow – “We Are Always Alone”
13. Asaf Avidan – “Between These Hands”
14. Laura Marling – “Those Were the Days” (Mary Hopkin cover)
15. T-Bone Burnett – “ROMA”

Para já, registemos a notável contribuição de Beck, recriando Tarantula, tema gravado em 1982 pelos Colourbox, depois popularizado pela versão de This Mortal Coil — escutando a nova versão, dir-se-ia que podia pertencer ao alinhamento de Sea Change, esse prodigioso álbum que Beck lançou em 2002.
Beck esteve no programa de James Corden, The Late Late Show, para interpretar Tarantula com um coro de luxo que incluía Feist, Natasha Khan (Bat For Lashes) e Inara George (The Bird And The Bee) — sem esquecer que a parte instrumental esteve a cargo da Filarmónica de Los Angeles dirigida por Gustavo Dudamel!

Steve McCurry — as mãos

Feyzabad, Afeganistão
Steve McCurry é muitas vezes identificado pela intensidade dos seus rostos. Mas, como se prova, há nele também uma atenção muito especial às mãos humanas, elementos essenciais da nossa identidade e, mais do que isso, da nossa relação com o mundo. Numa altura em que publica um belo livro antológico, A Life in Pictures (organizado pela irmã, Bonnie McCurry), o lendário fotógrafo da Magnum propõe no seu blog vários sinais dessa "silenciosa linguagem das mãos" — aqui ficam alguns exemplos.

Kabul, Afeganistão
Vale do rio Omo, Etiópia

quarta-feira, fevereiro 06, 2019

20.000 imagens e sons

A. Foi em 1954 que Richard Fleischer realizou essa deliciosa aventura que é 20.000 Léguas Submarinas, com James Mason na personagem lendária do Capitão Nemo.
Como é sabido, tudo tinha começado bem antes, em 1870, quando Júlio Verne publicou o clássico Vingt mille Lieues sous les Mers: Tour du Monde Sous-marin.

B. Dito de outro modo: nós chegámos um pouco mais tarde. O que não impede que este seja o post nº 20.000 publicado no SOUND+VISION. É verdade: desde 3 de Setembro de 2005, o Nuno e eu já partilhámos convosco 20.000 textos — de opinião, de celebração, noticiando coisas que gostamos de noticiar, canções, muitas canções, livros, filmes, televisão, etc.

C. No dia em que assinalamos a sedução de tão redondo número, chegou também a notícia de mais um teledisco de Neneh Cherry, do seu quinto álbum a solo, Broken Politics. Não exigíamos tanto, mas registamos o nosso humilde reconhecimento — eis Natural Skin Deep, além do mais com produção dos Four Tet, também eles várias vezes convocados para a nossa odisseia milenar.


Say Anything: uma quase-ópera-rock

Lembram-se de Tommy, a ópera rock dos ingleses The Who que celebra este ano o seu cinquentenário? Digamos que Oliver Appropriate, dos Say Anything, de Los Angeles, não será exactamente um objecto para colocar a par das geniais elucubrações de Pete Townshend, muitos menos uma tentativa de remake... Mas há aqui uma lógica de descendência que importa referir e valorizar.
A saber: em tempos de fragmentação gratuita e celebração do incidente anedótico contra a efabulação narrativa, é bom encontrar uma banda que arrisca construir um romance operático para fazer o retrato amargo e doce de um jovem punk, seduzido por todos os sexos, angelical, algo à deriva, talvez suavemente cruel como a personagem da capa.
Rezam as crónicas que tudo isso nasce da pulsão autobiográfica de Max Bemis (n. 1984), vocalista, compositor e sacerdote dos Say Anything. De tal modo que, depois de muitas atribulações pessoais, Oliver Appropriate possui qualquer coisa de redenção, na procura de um desafio radical que possa ser entendido como um lugar paradoxal de paragem e reinvenção. Como Bemis já informou, será o derradeiro álbum... ou talvez não.
O mínimo que se pode dizer de Oliver Appropriate é que não há muitos empreendimentos contemporâneos com este misto de energia e ambição, sempre ligado à crueza primitiva de um punk cuja frontalidade se confunde com o seu apelo poético. Para que conste, eis o exemplo esclarecedor de Send You Off.

You ask me to do this again
I say I think I just date girls
And you're not a girl, right? (You're not a girl, right?)
And you won't ever be one based on my insight
Actually I don't know how this works
This confusing spectrum of modern sexuality
I espouse it to my friends, but it churns me

Mom loves me too much
And my daddy not enough
And I grew up nouveau riche
And I'm a slick son of a bitch
Oh

And I can't (I can't), sustain (Sustain)
But I'll try (I'll try), if it numbs the pain
And I can't (I can't), sustain (Sustain)
But I'll try (I'll try), if it numbs the pain

Because mom loves me too much
And my daddy not enough
And I grew up nouveau riche
And I'm a slick son of a bitch

Because Bowie's my excuse
So I can brag of how I tried
But all I want to do
Is send you off and get you high
Get you high



>>> Say Anything cantam o tema Say Anything, do álbum Anarchy, My Dear (2012).


>>> Site oficial dos Say Anything.

terça-feira, fevereiro 05, 2019

A filosofia do video-árbitro

[ FPF ]
As imagens não são revelações divinas do mundo à nossa volta. Ou será que o futebol está a mudar a nossa experiência estética? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Fevereiro).

Lembram-se do quadro A Condição Humana, de René Magritte? Aliás, o pintor belga legou-nos dois quadros com esse título, um de 1933, outro de 1935. Ambos exploram o mesmo dispositivo figurativo: vemos uma tela, em cima de um cavalete, de tal modo que aquilo que está pintado “prolonga” os elementos do próprio fundo (uma paisagem campestre, o horizonte do oceano). Dito de outro modo: a representação da visão do pintor “confunde-se” com os elementos da paisagem representada.

1933

Há uma simples lição filosófica na visão de Magritte. A saber: representar o mundo não é “reproduzir” uma verdade automática e eterna, mas criar objectos que prolongam, porventura enriquecendo, a nossa experiência pessoal, essa experiência que, por alguma razão, podemos descrever através de uma sugestiva palavra: mundividência.
Escusado será dizer que, através de pintores como Lucian Freud ou David Hockney, passando por cineastas como David Lynch, a história moderna das imagens evolui através da consciência muito aguda dessa ambivalência: quando mostramos o mundo, estamos apenas a expor uma visão particular das suas componentes e dinâmicas, não uma verdade divina e intocável.
Com a instalação social do vídeo-árbitro (VAR), recuámos um século na nossa experiência estética. Repare-se no que está a acontecer, não apenas em Portugal, mas no espaço público do futebol. Metodicamente, somos levados a contemplar as imagens com a ânsia pueril do crente que confunde a sua relação com a divindade com a totalidade da experiência humana. Estar ou não estar fora de jogo deixou de ser um incidente normal de um desporto fascinante, sendo agora vivido como hipótese de uma revelação transcendental.

1935

Entenda-se: não se trata de negar a beleza inerente a um desporto tão complexo como é, ou pode ser, o futebol. E escusado será sublinhar que a discussão das componentes sociais do VAR não envolve qualquer dúvida sobre a seriedade e dedicação dos respectivos agentes — no site da Federação Portuguesa de Futebol, o VAR é mesmo apresentado através de um título sintomático, afinal ingénuo, que a prática tem desmentido: “Mínima interferência, máximo benefício.”
A questão fulcral não se esgota nas convulsões em que passou a viver a cultura futebolística (que é, muito simplesmente, a cultura dominante). O que se discute é o empobrecimento das nossas relações com as imagens.
Se tais relações se esgotam na procura de uma “verdade” sem rugas nem ambiguidades, isso significa que passámos a entender as imagens como meros instrumentos de “transcrição” da complexidade do mundo e da condição humana. Vivemos angústias infinitas por causa de um cartão vermelho que ficou por mostrar... Será que isso nos pode levar a ignorar a lição de Magritte? É uma lição que envolve ousadia criativa, uma inteligência fulgurante e, afinal, um valor muito esquecido: o prazer de olhar.

Time Grove, opus 1

Nitai Hershkovits — piano.
Rejoicer — sintetizadores.
Eyal Talmudi — clarinete.
Roy Chen, Amir Bresler e Sol Monk — bateria.
Bemet — teclados
Sefi Zisling — trompete.
Yonatan Albalak — guitarra.
Nove músico de sofisticados talentos para celebrar a alegria, de uma só vez elegante e imprevisível, de um jazz obviamente contaminado por muitas heranças, embora afirmando a vontade de edificar o seu próprio presente: são os Time Grove, ensemble de Tel Aviv, com um magnífico álbum de estreia adequadamente intitulado More Than One Thing — eis o tema Roy the King.

segunda-feira, fevereiro 04, 2019

Julie Adams (1926 - 2019)

A participação no filme O Monstro da Lagoa Negra (1954) tornou-se o símbolo incontornável da sua carreira: a actriz americana Julie Adams faleceu no dia 3 de Fevereiro, em Los Angeles — contava 92 anos.
Nascida Betty May Adams, começou em finais da década de 40, destacando-se sobretudo em westerns de série B. Em O Monstro da Lagoa Negra, de Jack Arnold, experiência pioneira no cinema 3D, assumiu um modelo de personagem — a figura feminina que seduz a entidade monstruosa — que seria mil vezes retomado em aventuras mais ou menos fantásticas. O certo é que, a partir dessa altura, a televisão acabou por ser o seu domínio preferencial, surgindo em séries como Dr. Kildare, Perry Mason ou Mannix. Em cinema, um dos seus derradeiros papéis foi em World Trade Center (2006), de Oliver Stone. Em 2011, com a colaboração do seu filho, Mitchell Danton, publicou a autobiografia The Lucky Southern Star: Reflections From the Black Lagoon.

>>> Trailer de O Monstro da Lagoa Negra + video promocional da autobiografia de Julie Adams.




>>> Obituário em The Hollywood Reporter.
>>> Site oficial de Julie Adams.

"The Twilight Zone", por Jordan Peele

Já se sabia que a CBS está a refazer a lendária série televisiva The Twilight Zone, com Jordan Peele (o realizador de Get Out/Foge) a assumir o papel de apresentador que pertenceu ao lendário Rod Serling (1924-1975) no período 1959-64. Em todo o caso, no Super Bowl, foi uma surpresa absoluta a passagem deste breve spot promocional. Eis um minuto de contagiante espectáculo alicerçado na interrogação mais radical: "Quando a verdade não é a verdade, em que dimensão estamos?"