Na obra do criador do musical Hamilton cruzam-se as raízes latinas e a herança de Hollywood: através do trabalho de Lin-Manuel Miranda, teatro e cinema reinventam as suas alianças — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 junho).
Lin-Manuel Miranda tem estado a enfrentar algumas insólitas convulsões de tal contexto [a presidência de Trump] a propósito do filme Ao Ritmo de Washington Heights, realizado por Jon M. Chu (lançado nos EUA, e também nas salas portuguesas, há pouco no começo de junho) — trata-se de uma adaptação de In the Heights, o seu musical estreado na Broadway em 2008, centrado na comunidade dominicana de Washington Heights, em Nova Iorque. Algumas vozes têm-se manifestado contra a predominância de actores de pele clara, favorecendo aquilo que consideram uma forma de “exclusão” de afro-latinos. Em qualquer caso, Lin-Manuel Miranda veio pedir desculpa, agradecendo as críticas “honestas” que foram feitas e considerando que “ficámos aquém das expectativas”.
Que a conjuntura emocional para lidar com estas questões não será a mais favorável, provam-no as declarações de Rita Moreno, actriz americana nascida em Porto Rico, “oscarizada” por West Side Story (1961). Assim, há poucas semanas, em entrevista a Stephen Colbert (The Late Show, CBS), questionada sobre a versão cinematográfica de In the Heights, afirmou que estavam a “atacar a pessoa errada”. Considerou mesmo que Lin-Manuel Miranda tem sido um campeão da “latinidade”, em especial dos porto-riquenhos, no interior do mundo americano do espectáculo; no dia seguinte, na sua conta do Twitter, Rita Moreno veio esclarecer que tinha menosprezado “a importância dos negros na comunidade latina”…
Em qualquer caso, no plano da intervenção social e política, a agenda de Lin-Manuel Miranda tem estado preenchida. Assim, em 2016, na sequência de um encontro com o presidente Barack Obama, integrou um grupo de personalidades que vieram publicamente defender a renegociação da dívida de Porto Rico; um ano mais tarde, foi também um dos artistas envolvidos na angariação de fundos para auxiliar as famílias porto-riquenhas que sofreram os efeitos do furacão Maria.
Entretanto, a sua presença no mundo cinematográfico poderá reforçar-se com o lançamento de Vivo, um musical de desenhos animados, produzido pela Sony, para o qual compôs as canções (Netflix). Vale a pena lembrar que uma das suas composições para outra longa-metragem de animação, Moana (2016), dos estúdios Disney, lhe valeu uma nomeação para o Oscar de melhor canção. A sua acção no interior da tradição do musical consiste em recuperar os modelos clássicos, contribuindo para uma reinvenção dos seus parâmetros temáticos e narrativos. A esse propósito, convém referir que Lin-Manuel Miranda está também a trabalhar na banda sonora de A Pequena Sereia, agora em versão com actores, colaborando com Alan Menken, o veterano compositor da versão animada de 1989 — como se prova, a sinfonia continua por acabar.