A apresentação da montagem final Apocalypse Now numa sessão especial no CCB permitiu reencontrar, em cópia restaurada, um clássico do cinema que há muito pertence ao grande imaginário popular — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Outubro).
Foi uma “matinée” à moda antiga. E com casa cheia. A apresentação da cópia restaurada de Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, numa sessão especial no CCB (domingo, 16h00) envolveu um duplo fascínio: desde logo, a recuperação de um hábito de ver cinema num horário que, muito antes das rotinas de consumo de multiplexes e centros comerciais, correspondia a uma prática cultural com regras e sabores específicos; depois, claro, o reencontro com um daqueles filmes que, mais do que uma referência obrigatória na galeria dos clássicos, há muito pertence ao grande imaginário popular.
E era, além do mais, uma genuína revelação, com um título esclarecedor: Apocalypse Now Final Cut. Quarenta anos depois da sua apresentação no Festival de Cannes — onde ganhou a Palma de Ouro de 1979, ex-aequo com O Tambor, de Volker Schlöndorff —, Coppola conseguiu, de facto, estabelecer esta montagem final da sua dantesca evocação da guerra do Vietname.
Depois dos 153 minutos da primeira versão, depois da versão longa de 202 minutos (Apocalypse Now Redux, lançado em 2001), o realizador da trilogia de O Padrinho encontrou o equilíbrio justo para os materiais de um filme cuja gestação e rodagem constitui, por si só, uma epopeia — Apocalypse Now Final Cut aí está, restaurado em 4K: tem 183 minutos e é um esplendor de imagem e som.
A odisseia de um soldado à procura de outro soldado — o capitão Willard e o coronel Kurtz, respectivamente Martin Sheen e Marlon Brando — surge, assim, numa cópia que, neste tempo de tantos e tão monótonos super-heróis, nos reconcilia com a ideia de um cinema grandioso cuja dimensão emocional começa, justamente, na plenitude do ecrã de uma sala escura.
Sobra uma questão insólita, certamente complexa, que convém, pelo menos, não recalcar. A saber: porque é que, para além da especialíssima sessão no CCB, o novo Apocalypse Now não surge também no circuito comercial?
A pergunta, entenda-se, não envolve aquela chantagem emocional com que, social e televisivamente, passámos a lidar com os nossos problemas, dos mais banais aos mais radicais. Ou seja: não se trata de saber “de quem é a culpa”. Trata-se, isso sim, de reconhecer que algo de desconcertante está a acontecer nas dinâmicas internas do mercado português quando um acontecimento tão extraordinário como é este Apocalypse Now Final Cut não encontra espaço nos circuitos comerciais de exibição (e, em particular, nas suas salas de maiores dimensões). Por mim, gostaria de acreditar que próximos acontecimentos poderão contrariar o cepticismo destas observações.