Jessica Chastain interpreta Caroline Weldon, uma mulher que retratou, em pintura, os índios Sioux. Ou como o cinema reencontra o valor crítico do “western” moderno — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Setembro).
Um dos efeitos do movimento #MeToo no campo do cinema tem sido o reforço de uma reivindicação feminina, de uma só vez profissional e artística. A saber: na percepção da história (e das histórias que os filmes narram), é importante que as personagens de mulheres sejam realmente consistentes e contrastadas, porventura contraditórias, evitando clichés dramáticos ou morais.
Jessica Chastain tem sido uma das vozes mais militantes nesse domínio e não há dúvida que o seu sofisticado talento tem estado ao serviço de personagens genuinamente complexas. Para nos ficarmos por um único exemplo, lembremos esse filme admirável que é Molly’s Game/Jogo da Alta Roda (2017), retrato íntimo de uma promotora de jogos privados de poker que marcou a estreia na realização do grande Aaron Sorkin [trailer].
Agora, graças a Mulher que Segue à Frente, produção americana dirigida pela inglesa Susanna White, Chastain encontra outra admirável figura histórica: Caroline Weldon (1844-1921), pintora americana de origem suíça que, além de ter militado pelos direitos dos índios Sioux, retratou o lendário chefe Touro Sentado [eis o respectivo quadro].
O filme terá como limitação maior uma certa indecisão de tom. Por um lado, apresenta-se como uma crónica romanesca, não romântica, sobre a convivência de Weldon e Touro Sentado, este interpretado por Michael Greyeyes (actor canadiano cuja árvore genealógica remonta aos índios Cree); por outro lado, Mulher que Segue à Frente reflecte uma época de grandes convulsões em que, de forma mais ou menos compulsiva, o governo norte-americano tentava colocar vários tribos em reservas.
O filme torna-se francamente esquemático na encenação da cavalaria dos EUA, desde logo na caracterização do coronel Silas Grove, interpretado por um Sam Rockwell à deriva. Seja como for, encontramos aqui um espírito, de uma só vez cinematográfico e histórico, que nos remete para a herança de alguns “westerns” críticos das décadas de 1960/70, empenhados, precisamente, em superar as visões mais esquemáticas da expansão para Oeste e, em particular, da violência entre brancos e índios.
Podemos recordar, assim, títulos como A Quadrilha Selvagem (1969), de Sam Peckinpah, ou O Pequeno Grande Homem (1970), de Arthur Penn. E se é verdade que o trabalho de Susanna White nunca se aproxima da excelência de tais referências, não é menos verdade que Mulher que Segue à Frente consegue demarcar-se do “cinema de Verão” (?) que se esgota nos lugares-comuns de super-heróis e afins. Desta vez, trata-se mesmo de discutir as componentes do heroísmo e o valor das imagens — afinal de contas, Caroline Weldon era uma mulher que acreditava nesse valor.