No dia 15 de Novembro, assinalaram-se 40 anos sobre a data da primeira exibição pública, nos EUA, de Encontros Imediatos do Terceiro Grau — este texto, integrando um dossier do Diário de Notícias publicado nessa data, foi publicado com o título 'Quando os extra-terrestres vieram visitar Spielberg'.
Quando percorremos a história de Hollywood, há datas que sinalizam e condensam algumas transformações radicais. Por exemplo, 1927, com O Cantor de Jazz, primeiro fenómeno do cinema sonoro; 1939, com E Tudo o Vento Levou, síntese admirável da epopeia literária e do Technicolor; 1969, com Easy Rider, símbolo da “contra-cultura” dos anos 60 e também dos valores da produção independente. Chegamos a 1977 e tudo parece apontar para o fenómeno Star Wars (que, na altura, entre nós, ainda tinha direito à tradução A Guerra das Estrelas): foi a 25 de Maio que se estreou o primeiro título da saga de George Lucas. Mas importa reorganizar os nossos arquivos cinéfilos e recordar também que no dia 15 de Novembro — faz hoje 40 anos — Nova Iorque assistia à primeira exibição pública de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg.
Nunca foi segredo o facto de a história dos extra-terrestres que visitam o planeta Terra ter as suas raízes em memórias remotas de Spielberg. No documentário The Making of Close Encounters of the Third Kind, produzido em 1997, o cineasta cita mesmo como primordial inspiração o facto de, ainda criança, ter assistido com o pai, em New Jersey, a um desses fenómenos naturais normalmente identificado como “chuva de meteoros”. No filme, a contemplação da imensidão do céu envolve mesmo um misto de solidão e expectativa: daquele universo sem fim algo vai aparecer... Ou como dizia a frase promocional do emblemático cartaz de lançamento do filme: “We are not alone” [“Não estamos sós”].
Com o passar dos anos, foi-se tornando cada vez mais evidente que este é mesmo um dos filmes mais pessoais de Spielberg. Nele encontramos a depurada expressão de um tema visceral do seu universo: a disponibilidade infantil para contemplar o mundo, mesmo nos seus contrastes mais assustadores, como uma promessa de encantamento. A célebre imagem do pequeno Barry (Cary Guffey), admirando as luzes “ameaçadoras” que se manifestam à porta de sua casa, resume a ambiguidade da fábula: os extra-terrestres constituem a mais estranha das visitas, mas é o próprio Barry que, alheado do medo dos adultos, os convoca.
Daí que seja discutível a inscrição automática de Encontros Imediatos do Terceiro Grau na vaga de ficção científica que, para o melhor e para o pior, tinha começado a contaminar os instrumentos técnicos e as opções artísticas do cinema americano. Aliás, em 1982, com E.T., o Extra-Terrestre, Spielberg encenaria uma história também de um “encontro imediato”, tratando o inesquecível E.T. como um irónico duplo das personagens infantis.
Cenários naturais
O filme constituiu um invulgar desafio de produção, contando com um sólido orçamento de 20 milhões de dólares, valor, para a época, francamente acima da média. Mais do que isso: o estúdio produtor, Columbia, deu total liberdade criativa a Spielberg, já que, em 1975, ele tinha passado para a linha da frente da indústria graças ao fenomenal sucesso de Tubarão, rodado com apenas 9 milhões (para A Guerra das Estrelas, Lucas teve 11 milhões). Douglas Trumbull, que trabalhara com Stanley Kubrick em 2001: Odisseia no Espaço (1968), foi o responsável pelos efeitos especiais do filme, tendo à sua disposição 3,3 milhões do orçamento global — rezam as crónicas da época que ele considerava que, só com esse dinheiro, teria sido possível fazer uma segunda longa-metragem.
Seja como for, para o impacto visual do filme, os cenários naturais revelar-se-iam decisivos. Lembrando as dramáticas dificuldades encontradas durante as cenas do oceano em Tubarão, Spielberg começou por resistir a tal hipótese, mostrando-se empenhado em trabalhar o mais possível em estúdio. O certo é que acabou por compreender que um certo realismo dos lugares era essencial ao impacto da acção, tendo filmado em particular na zona da “Torre do Diabo”, no estado do Wyoming, a formação rochosa que vai obcecando o pai do pequeno Barry (Richard Dreyfuss), funcionando como elo espiritual com os extra-terrestres.
Encontros Imediatos do Terceiro Grau foi um dos grandes sucessos de 1977 nas salas dos EUA, surgindo no terceiro lugar do top de receitas, depois de A Guerra das Estrelas e Os Bons e os Maus, uma comédia com Burt Reynolds. Curiosamente, o filme acabou por ter uma vida comercial dupla. Ou tripla. Isto porque, um ano mais tarde, dificuldades financeiras levaram a Columbia a pedir a Spielberg que fizesse uma nova versão — com um final em que é revelado o interior da nave dos extra-terrestres —, de modo a que o filme pudesse ser relançado, garantindo um índice de receitas fundamental para o estúdio. Spielberg assim fez, vindo a declarar-se profundamente arrependido — a sua versão pessoal e definitiva, identificada como “Collector’s Edition”, só seria comercializada em 1998.