Doutor Jivago (1965) |
Com a morte de Omar Sharif, desaparece um dos símbolos mais puros das superproduções da década de 60 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Julho), com o título 'Morreu Omar Sharif, eterno Doutor Jivago'.
É bem provável que, para os espectadores mais jovens, a figura de Omar Sharif seja pouco mais do que uma imagem distante e vaga, tocada por um discreto revivalismo. O certo é que, ao longo das décadas de 1960/70, ele simbolizou como poucos a condição de estrela — podemos mesmo dizer “galã”, usando uma palavra que na época não teria as conotações brejeiras que depois adquiriu. No mês de Maio, o seu filho Tarek Sharif revelara que o pai sofria de Alzheimer — veio a falecer na sexta-feira, na cidade do Cairo, contava 83 anos [obituário: New York Times].
Egípcio, de uma família de raízes libanesas, sírias e palestinianas, nasceu em Alexandria, a 10 de Abril de 1932. Formado em matemática e física pela Universidade do Cairo, estudou artes dramáticas em Londres, vindo a tornar-se uma figura muito popular, na década de 50, no cinema do seu país, em particular através dos dramas românticos em que contracenou com a sua mulher, Faten Hamama.
A sua fama viria a ser indissociável de um dos títulos mais populares dos anos 60: Lawrence da Arábia (1962), de David Lean. Ao escolhê-lo para assumir a personagem de Sharif Ali, em confronto com Peter O’Toole, Lean não lhe ofereceu apenas o seu primeiro papel em língua inglesa; ao mesmo tempo, lançou a sua carreira internacional, desde logo sancionada por dois Globos de Ouro (melhor actor secundário e revelação do ano). Eternamente grato a Lean, que considerava um dos “grandes homens” com quem trabalhara, Sharif atribuía ao seu talento o impacto do filme. Em 2012, numa entrevista ao jornal The Guardian, chegou mesmo a recordar o seu cepticismo inicial, já que Lawrence da Arábia lhe parecia um projecto “louco”, para mais “sem raparigas” e “sem actores conhecidos”. Curiosamente, O’Toole e Sharif chegaram às nomeações para os Oscars (respectivamente nas categorias de actor e actor secundário), mas nenhum ganhou.
Para a história e também para a lenda, ficou como a personagem que aparecia, lentamente, lá muito ao longe, nas areias do deserto... Seja como for, seria ainda graças a Lean que obteve o papel que o inscreveria para sempre no panteão das personagens mitológicas do cinema — foi em 1965, no papel principal de Doutor Jivago, um épico sobre o advento da Revolução de Outubro, em que contracenava com Julie Christie. Também um momento exemplar das “superproduções” da época, Doutor Jivago foi um sucesso de dimensões gigantescas, de tal modo que, ainda hoje, corrigindo as suas receitas em função da inflação, permanece como o oitavo título mais rentável de sempre (quase triplicando os valores do recente Velocidade Furiosa 7).
Aliás, os momentos mais importantes da sua carreira concentram-se num período de cerca de dez anos. Assim, por exemplo, contracenou com Barbra Streisand em Funny Girl (1968) e Funny Lady (1975), dirigidos por William Wyler e Herbert Ross, respectivamente. E surgiu em registos muito diversos, desde o western (O Ouro de MacKenna, 1969) ao melodrama policial (A Semente de Tamarindo, 1974), passando pelo filme de guerra (A Noite dos Generais, 1969) ou a crónica histórica (Che!, 1969, em que interpretou Che Guevara).
Apesar de possuir uma filmografia com mais de uma centena de títulos, ele próprio era o primeiro a reconhecer que nem sempre terá feito as escolhas mais felizes. Em boa verdade, a partir de certa altura, Omar Sharif passou a ser mais conhecido pela sua vida social e, muito em particular, pela condição de jogador de bridge. O empenho com que vivia tal condição levou-o mesmo, recentemente, a desenvolver uma aplicação para o iPhone relacionada com o bridge.
Na fase final da sua carreira, destaca-se o filme Monsieur Ibrahim (2003), de François Dupeyron, em que interpretava um comerciante que, em Paris, cria uma especial relação de amizade com um adolescente de origem judaica — o filme valeu-lhe um César de melhor actor. Foi agraciado em 2005 pela UNESCO, com a medalha Sergei Eisenstein pelas suas contribuições para o “mundo do cinema” e em defesa da “diversidade cultural”.