Em televisão, Yanis Varoufakis pode ser um mero "apanhado", enquanto o futebol anseia por êxtases transcendentais... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Junho), com o título 'Varoufakis e os outros'.
1. Um dia destes, no final de uma reunião, Yanis Varoufakis, ministro das finanças da Grécia, já devidamente equipado de capacete, preparava-se para arrancar na sua moto — rodeado por uma pequena multidão de ansiosos repórteres, empunhando os seus bélicos microfones, viu-se compelido a dizer que não era o momento para fazer uma conferência de imprensa. Não tenho dúvidas que a nossa globalizada miséria ideológica encara um episódio do género como a ilustração da pureza transcendental da personagem em causa: não usar gravata ou transportar-se num veículo de duas rodas são factores que podem ser incensados como expressão da mais radical complexidade de pensamento... Dito isto, o episódio envolve um triste valor sintomático. Desde logo porque, dando provas de uma comovente vocação de mártir, Varoufakis se coibiu de aconselhar os repórteres a tomarem a sério o seu trabalho e o trabalho dos outros. Mas sobretudo porque tão patéticas imagens circularam infinitas vezes por televisões de todo o mundo, como se nelas houvesse alguma pertinência jornalística que, por inusitado milagre, as fizesse existir para além da condição de banalíssimo “apanhado”.
2. Subitamente, a actualidade futebolística tende a confundir-se com a confusão de um infinito exercício de histeria contabilística. A facilidade com que se noticiam e desmentem transferências há muito superou qualquer padrão de ridículo. Em todo o caso, há aqui um outro sintoma cuja evidência justificaria também alguma reflexão: jogadores e treinadores que, num dia, eram símbolos eternos de um determinado clube, surgem no dia seguinte incensados como heróis de outros clubes... Podemos, por simples pudor, contornar qualquer discussão sobre o inequívoco poder normativo do dinheiro. Ainda assim, como não ver que toda esta agitação reduz a pó qualquer conceito de “paixão” clubista? Em boa verdade, esse fundamental valor televisivo — o amor a uma “camisola” — acaba por se revelar a banal teatralização de uma contabilidade sem transcendência.