VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES (1982) |
Hoje, 4 de Maio, no Rivoli/Porto, amanhã na Cinemateca/Lisboa, será possível descobrir o inédito de Manoel de Oliveira Visita ou Memórias e Confissões — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Maio), com o título 'Filme inédito de Oliveira celebra paixão pelo cinema'.
Como todas as obras dos artistas realmente originais, também os filmes de Manoel de Oliveira (falecido no dia 2 de Abril, contava 106 anos) vão persistir muito para além do seu criador. No caso do autor de títulos como Aniki-Bóbó (1942), Francisca (1981) ou Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), há mesmo um capítulo póstumo que, finalmente, pode ser revelado.
Porquê revelado? Porque se trata de um filme que o próprio realizador concebeu como um objecto que só faria sentido divulgar depois da sua morte: Visita ou Memórias e Confissões ficou concluído em 1982 e vai ter, agora, as suas primeiras exibições públicas. O Porto, cidade natal de Oliveira, acolherá a estreia absoluta na segunda-feira, dia 4, em duas sessões (18h30 e 21h30) no Teatro Municipal Rivoli; no dia seguinte, em Lisboa, na Cinemateca, o filme será projectado também duas vezes (21h45 e 23h15).
Entretanto, o Festival de Cannes anunciou a presença de Visita ou Memórias e Confissões na sua secção de clássicos, naquela que será a primeira apresentação fora de Portugal — o certame decorre entre 13 e 24 de Maio, devendo o filme ser projectado no dia 22 (data a confirmar). Segundo o comunicado oficial da secção “Cannes Classics”, a sessão especial resultou do acordo de Adelaide Trepa e Manuel Casimiro, filha e neto do cineasta, com a colaboração de José Manuel Costa e Rui Machado, respectivamente director e subdirector da Cinemateca.
MANOEL DE OLIVEIRA [Foto: Miguel A. Lopes] |
Há outros momentos autobiográficos na filmografia de Oliveira — recorde-se o emblemático Porto da Minha Infância, produzido em 2001 no âmbito da programação do Porto – Capital Europeia da Cultura. De qualquer modo, nunca como em Visita ou Memórias e Confissões ele partilhou de forma tão directa e, ao mesmo tempo, tão serena as suas memórias familiares e cinematográficas.
O elemento fulcral do filme é a sua casa da Rua Vilarinha, no Porto, projectada pelo arquitecto José Porto (há pouco tempo classificada imóvel de interesse público). Oliveira construiu-a em 1940, quando se casou com Maria Isabel Oliveira, acabando por ser um cenário indissociável de quatro décadas da sua vida e, naturalmente, do seu trabalho no cinema.
Feito no momento em que Oliveira se viu compelido a vender a casa, o filme desenvolve-se a partir de uma “visita” de duas personagens que, em boa verdade, só conhecemos através das respectivas vozes (Teresa Madruga e Diogo Dória). É uma deambulação organizada a partir de um texto escrito por Agustina Bessa-Luís, ao qual o próprio Oliveira acrescentou, segundo as suas palavras, “algumas reflexões sobre a casa e sobre a minha vida”. Nessas reflexões inclui-se um pouco de tudo, desde o historial da família até à reflexão filosófica sobre a morte, incluindo uma evocação da detenção de Oliveira pela PIDE, em 1963, altura em que travou conhecimento com o escritor Urbano Tavares Rodrigues (que, numa breve aparição, surge a interpretar o seu próprio papel).
Rodado no início da década de 80, Visita ou Memórias e Confissões surgiu logo após Francisca, o filme com que o autor encerrara a sua tetralogia dos amores frustrados (depois de O Passado e o Presente, Benilde ou a Virgem Mãe e Amor de Perdição, sucessivamente em 1972, 1975 e 1979). A sua maior confissão é, afinal, a de uma inquebrantável paixão pelo cinema — Oliveira tinha “apenas” 73 anos e, agora, a sua voz cumpre o ritual cinematográfico de um regresso ao futuro.