VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES (1982) Maria Isabel de Oliveira |
Ontem, passou no Rivoli/Porto, hoje, 5 de Maio, na Cinemateca/Lisboa, será possível descobrir o inédito de Manoel de Oliveira Visita ou Memórias e Confissões — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Maio), com o título 'A morte no trabalho'.
Deixemo-nos de tretas. Os tecnocratas da cultura terão sempre mais um relatório, mais um programa de reestruturação para nos convencerem que as “actividades” culturais serão geridas com a eficácia asséptica de uma linha de montagem de peças que encaixam sempre umas nas outras. Mas ninguém nos poderá salvar da monotonia dos seus eventos oficiais nem do tédio dos seus sermões ideológicos. Ninguém a não ser os artistas.
Manoel de Oliveira foi um artista. E construiu a sua vida como uma apaixonada celebração do cinema, seus poderes encantados e suas encantatórias ambiguidades. Agora, podemos dizer: a sua vida e também a sua morte. Visita ou Memórias e Confissões é, de facto, um filme pensado e executado para ser visto apenas depois desse silêncio sem recuo, confirmando de forma espectacular a máxima com que Jean Cocteau nos ensinou a rejeitar qualquer instrumentalização redentora dos filmes. A saber: “O cinema filma a morte no trabalho”.
M. O. |
Não vemos, afinal, as duas personagens que “visitam” a casa de Oliveira, porque estão apenas presentes na banda sonora. Ao mesmo tempo, cegos pela sua objectividade, tais personagens não vêem o próprio Oliveira que, num calculado jogo de espelhos, nos dirige a palavra. Quer isto dizer que o cineasta se apresenta como personagem de uns e fantasma de outros — o cinema é essa suprema ironia de pressentir a morte e continuar a filmar.