terça-feira, maio 05, 2015

Oliveira — jogo de espelhos

CRISTÓVÃO COLOMBO — O ENIGMA
Apresentado no Rivoli/Porto (4 Maio) e na Cinemateca/Lisboa (5 Maio), o filme inédito de Manoel de Oliveira Visita ou Memórias e Confissões relança-nos na dimensão mais pessoal da sua obra — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Maio), com o título 'O cineasta no seu espelho'.

Mesmo considerando o caso excepcional de Visita ou Memórias e Confissões, seria abusivo considerar que os mais de cinquenta filmes realizados por Manoel de Oliveira se organizam como uma história na primeira pessoa. Em todo o caso, por eles perpassa um gosto calculado pela exposição no espelho da própria obra. Dir-se-ia que, por realismo ou ironia, Oliveira se assume também como protagonista do seu cinema.
O caso mais óbvio é o de Porto da Minha Infância (2001), colecção de pessoalíssimas memórias que envolve a nostalgia dos primórdios do cinema. Aliás, Oliveira apresenta-se como figura paródica da sua evocação, partilhando com Maria de Medeiros uma cena de palco pela qual perpassa uma das suas mais depuradas crenças estéticas: a do teatro como elemento interior à vida vivida.
Vale a pena recordar que, embora de modo muito breve, Oliveira se filma enquanto cineasta (a par de outros elementos da sua equipa) em Acto da Primavera (1963), filme que, sintomaticamente, registando uma representação popular da Paixão de Cristo, desafia as fronteiras clássicas entre “documentário” e “ficção”.
Mas terá sido em Cristóvão Colombo – o Enigma (2007) que Oliveira deixou um retrato de maior candura e emoção. Na companhia de sua mulher, Maria Isabel de Oliveira, o cineasta assume os traços de um investigador que procura desvendar esse enigma que envolve a figura histórica de Cristóvão Colombo, assim sublinhando o facto de também ele ter sido sempre um paciente e desencantado arqueólogo da identidade portuguesa.
Por uma ironia muito típica do seu universo, o filme mais genuinamente autobiográfico de Oliveira será aquele em que, por assim dizer, delega a sua personagem noutra pessoa: Marcello Mastroianni. Tem o título revelador de Viagem ao Princípio do Mundo (1997) e nele deparamos com Mastroianni a interpretar um realizador de cinema que quer desmanchar o novelo das suas próprias origens. Sem necessidade de sublinhados, Mastroianni usa um chapéu idêntico ao do realizador e chama-se... Manoel.