Adaptado do livro de Philip Roth, sobre um actor em crise, A Humilhação devolve-nos as singularidades de um cinema que, realmente, gosta dos seus actores — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Maio), com o título 'Solidão e morte'.
Face à dupla versão de A Humilhação — o livro de Philip Roth e, agora, o filme assinado por Barry Levinson —, é impossível resistir à sedução do eterno jogo de espelhos: vemos o actor, não apenas como o ser humano vocacionado para se transcender através das suas personagens, mas também como aquele que, graças a tal poder de transfiguração, corre o risco de se perder nos labirintos do esplendoroso fingimento que é, afinal, a sua profissão.
Ao mesmo tempo, perpassa por toda esta história uma solidão tão radical — radicalmente exposta por Al Pacino — que temos dificuldade em reduzi-la ao universo específico do actor. Creio, por isso, que a personagem nuclear de A Humilhação não é o Simon Axler de Pacino, mas sim a errante e errática Pegeen, interpretada pela inclassificável Greta Gerwig (fazendo lembrar algo da estranheza, numa tensão bizarra entre comédia e tragédia, que Judy Holliday deixou inscrita em filmes da idade de ouro de Hollywood).
Tal protagonismo será mais sensível na escrita de Roth do que na visão de Levinson. Em todo o caso, envolve um mesmo desencanto masculino: o de contemplar o universo feminino como uma paisagem utópica, identificada e irremediavelmente perdida pelo mesmo gesto de desejo. Desejo sexual? Sim, sem dúvida, para mais expresso através de uma pontuação erótica que contamina palavras e gestos. Seja como for, é um erotismo, não exuberante ou decorativo, mas sim assombrado, afirmando a vida, tal como Georges Bataille nos ensinou a reconhecer, “até na própria morte”.
Enfim, não desesperemos. O simples facto de existirem filmes como A Humilhação significa que os tecnocratas do marketing dos “super-heróis” não conseguiram anular os valores mais primitivos de Hollywood. E que, mesmo no mais inapelável negrume, ainda há um cinema de actores.