São datas a registar na história do mercado cinematográfico português: nos dias 11, 12 e 13 de Maio realiza-se a primeira Festa do Cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Maio), com o título 'A Festa do Cinema e os desequilíbrios do mercado'.
O anúncio da realização da primeira Festa do Cinema (11, 12 e 13 de Maio) justifica um sereno aplauso. Não porque o desconto a praticar nesses dias — em todas as salas do país, cada espectador vai pagar apenas 2,5 € por bilhete — constitua uma solução mágica para os problemas que afectam o sector. Basta lembrar que se tem assistido a uma baixa regular de frequência das salas, com pouco mais de 12 milhões de espectadores em 2014 (menos 3,8% que no ano anterior). Seja como for, o facto de o evento resultar de uma acordo global entre distribuidores e exibidores revela que há disponibilidade e empenho para enfrentar essa perda de frequência.
Claro que tais estatísticas não são a única forma de avaliar a dinâmica do mercado. A acelerada evolução das alternativas de consumo — incluindo, claro, a cada vez maior oferta televisiva — tem tido inevitáveis reflexos na definição (prática e mitológica) da própria sala escura que, infelizmente, para muitos espectadores, deixou de ser o lugar, por excelência, do próprio acontecimento cinematográfico.
Resta saber se é possível manter a vitalidade de qualquer modelo de distribuição/exibição menosprezando as salas — desde logo como primeira e fundamental montra dos títulos que, passados poucos meses, estarão disponíveis nas mais variadas plataformas (DVD, aluguer televisivo, canais de cabo, etc.).
No contexto português, há outra maneira de colocar o problema. E passa, inevitavelmente, pelo aumento galopante do número de filmes lançados nas salas, semana após semana. Sem qualquer exagero, pode dizer-se que esse número passou a ser, no mínimo, de sete títulos. Assim, por exemplo, para a próxima quinta-feira, 7 de Maio, estão anunciadas nove estreias; para o dia 14, mais dez; para 21, outras dez...
Escusado será dizer que não se trata de deslocar a questão para qualquer avaliação dos filmes como “bons” ou “maus”. Importa apenas colocar uma pergunta muito básica: onde é que está esse espectador utópico que tem disponibilidade e recursos financeiros para ir trinta ou quarenta vezes por mês ao cinema? Isto no país em que, em média, cada cidadão não chega a comprar dois bilhetes de cinema... por ano!
São desequilíbrios estruturais que envolvem questões muito complexas que vão desde a reconfiguração tecnológica das formas de consumo audiovisual até ao triunfo avassalador dos mais medíocres formatos televisivos. Em qualquer caso, nada disto significa que não haja espectadores interessados e disponíveis.
O impacto de algumas exibições “exteriores” às matrizes dominantes do mercado — incluindo ciclos dedicados a grandes autores clássicos ou objectos singulares como o fascinante documentário que é Kurt Cobain: Montage of Heck, de Brett Morgen — mostra mesmo que importa repensar o quadro da distribuição/exibição muito para além da dependência crónica de dois ou três blockbusters anuais... A defesa e promoção da diversidade cinematográfica é, mais do que nunca, um valor actualíssimo.