Eis um filme literalmente à flor da pele: Kurt Cobain: Montage of Heck, de Brett Morgen (em período limitado de exibição em várias salas), convoca-nos para uma viagem às memórias trágicas de Kurt Cobain (1967-1994), a partir de uma impressionante colecção de materiais de arquivo — filmes de super 8, cassetes com montagens sonoras (como aquela que dá o título ao filme), desenhos, páginas de diário, recortes de imprensa, etc.
Pode, até certo ponto, ser definido como um clássico filme biográfico. Ao mesmo tempo, porém, face à profusão de elementos que tem para trabalhar, Morgen sabe fazer-nos sentir que Cobain, com e sem os Nirvana, foi uma personagem paradoxal, e paradoxalmente assombrada, da sua própria angústia — um ser à deriva, embora consciente da sua errância, procurando, afinal, conquistar o poder de escrever/cantar a irredutibilidade da sua própria história.
Concebido a partir dos materiais cedidos por Courtney Love, com produção executiva de Frances Bean Cobain (filha de Kurt e Courtney, nascida em 1992), Kurt Cobain: Montage of Heck consegue essa proeza rara de lidar com um ser a que se colou uma poderosa mitologia, retirando-lhe as redundâncias, devolvendo-o à terra — é um puro e precioso documentário que nos ensina a compreender que documentar não é "reproduzir" uma história já adquirida, mas sim consolidar, pacientemente, com rigor e amor, a sua possibilidade.