De que falamos quando falamos da promoção dos filmes? Ou para que servem os trailers? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Abril), com o título 'Batman, Superman e a morte do gosto cinéfilo'.
O leitor terá lido as notícias sobre a divulgação prematura do trailer de Batman v. Superman: Dawn of Justice, com Ben Affleck e Henry Cavill. É mais um episódio de pirataria audiovisual na Internet que, obviamente, veio abalar os planos de lançamento do estúdio produtor, Warner Bros. Além dos muitos meses que faltam para a estreia (em Março de 2016), o material divulgado, resultante de um precário registo de telemóvel, era de fraquíssima qualidade técnica. Tentando minimizar os seus efeitos negativos, a Warner decidiu divulgar oficialmente o trailer.
Entre as reacções que o episódio desencadeou na imprensa cinematográfica dos EUA, leio um curioso texto de Graeme McMillan (The Hollywood Reporter, 17 Abril), reflectindo sobre as consequências na audiência de fãs dos super-heróis. O articulista sublinha, em particular, o facto de a escolha de Affleck para a personagem de Batman continuar a ser um assunto polémico nessa “base de apoio” mais ou menos identificada pelo alarido das chamadas redes sociais...
Não tenho dúvidas que McMillan toca em problemas que atormentam as secções de contabilidade de qualquer estúdio. Em todo o caso, a análise apresentada é cúmplice de um sintoma sobre o qual vale a pena reflectir: a dinâmica da indústria passou a depender de um imaginário típico de clube de fãs. A certa altura, o artigo reconhece mesmo que os trailers não passam de “truques” para convencer o espectador da ilustração de um conceito pré-formatado. McMillan define a mensagem essencial de um trailer através desta frase pueril: “Hey, este filme é exactamente aquilo que você quer ver!”.
Como lidar com isto? Não se trata de sugerir que a vida industrial e comercial dos filmes possa dispensar os equilíbrios de uma verdadeira estratégia económico-financeira. Aliás, a pergunta que importa fazer tem mesmo a ver com a importância de tal estratégia: será possível manter vivo um mercado de cinema e televisão (nos EUA, em Portugal ou em qualquer outro país) unicamente a partir da repetição de produções que implicam investimentos astronómicos e que, por isso mesmo, correm o risco de gerar sistemáticos factores de ruptura em todas as frentes do mercado?
Se os filmes são pensados apenas em função daquilo “que você quer ver”, isso implica, em última análise, a agonia mortal do gosto cinéfilo. Bem sabemos que a estupidez corrente gosta de proclamar que a defesa do gosto cinéfilo é apenas a consagração do gosto da “critica”. Será preciso relembrar que os críticos não são um rebanho e que, bem pelo contrário, no seu espaço de intervenção há muitas e insolúveis clivagens?
Acontece que a cinefilia se constrói, não a partir das promoções dos filmes, mas de uma abertura constante à sua pluralidade (histórica, temática, estética, etc.). O cinéfilo não procura nos trailers aquilo “que quer ver”. E sente-se gratificado por encontrar um trailer que lhe diga: “Hey, este filme quer oferecer-lhe aquilo que nunca viu!”.