Jon Stewart vai deixar The Daily Show e vamos, por certo, sentir a falta da sua capacidade de desmontar as vulgaridades e demagogias de muita informação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Abril).
Como é sabido, Jon Stewart decidiu abandonar The Daily Show (tendo divulgado esta semana a data do seu derradeiro programa: 6 de Agosto). Há dias, numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, depois de reconhecer que já não fazia o trabalho com a mesma “satisfação”, não deixou de referir que o fim das suas tarefas o vai libertar da obrigação de ver todos os dias os canais informativos americanos, primeiríssimo alvo do seu contundente humor (em particular a Fox News), assim deixando de executar o trabalho de “mineiro de excrementos” (numa tradução voluntariamente aligeirada).
Dá que pensar a verve humorística de Stewart. A sua incessante desmontagem das retóricas informativas — e das alianças, assumidas ou tácitas, da classe política com o respectivo funcionamento — ajudou-nos, ao longo dos anos, a compreender a mais escandalosa das verdades jornalísticas. A saber: fazer notícias, difundir informação não é uma “transcrição” da realidade, mas sim a construção de um dispositivo de conhecimento em que, de um modo ou de outro, se elabora uma visão do mundo. Este é um ponto tanto mais importante quanto, hoje em dia, há muitas formas (e formatos) de informação que se apresentam como mecanismos de pura “transparência”, sancionados pelo simples facto de as câmaras terem ido para a rua. Mais do que nunca, importa lembrar que não se trata de bloquear a discussão do poder televisivo de informar na oposição entre “verdade” e “mentira”. Trata-se, isso sim, de compreender como esse poder define o quotidiano e, em muitos aspectos, o faz funcionar.