sábado, maio 03, 2014

O que procuramos nas ruinas? (2)

Este texto, sobre a exposição 'Ruin Lust' patente na Tate Britain, em Londres, foi originalmente publicado na edição de 19 de abril do suplemento Q. do DN, com o título 'Olhar o Passado e o Futuro Entre as Ruinas'. 

Em Ruin Lust, o pequeno livro/catálogo que a Tate lançou juntamente com a exposição, Brian Dillon (1) descreve as ruínas como “uma memória da realidade universal do colapso e do apodrecimento; um aviso do passado sobre o nosso próprio destino e de qualquer outra civilização; um ideal de beleza que seduz precisamente pelas suas falhas e erros; o símbolo de um estado de alma melancólico e divagador; uma imagem de equilíbrio entre a natureza e a cultura; um monumento pelos que caíram em guerras recentes ou antigas; um retrato de uma economia desmedida e do declínio industrial; um terreno desolado (...) onde temos espaço e tempo para imaginar um futuro”. (2)

'St Mary Le Port', de J Piper (1940)
O percurso transporta-nos através do tempo, revelando uma maior presença de obras do século XX que de tempos mais antigos. As guerras, em particular as duas guerras mundiais do século passado, foram de resto um motivo de reencontro de artistas com a representação de ruínas. Como evidencia a expoisção nos textos que nos apresenta, perante a dimensão da destruição que estes dois conflitos geraram, “muitos artistas regressaram à ideia histórica da ruin lust para tentar compreender ou aprender a conviver com as consequências das modernas maquinarias de guerra”. O termo ruinenlust seria mesmo ressuscitado depois da guerra pela académica e escritora Rose Macaulay no estudo Pleasure of Ruins, de 1953. A escritora, que perdera a sua casa e biblioteca durante o blitz, desenvolveu ao longo da sua vida uma história detalhada da evolução do nosso relacionamento e do gosto pelas ruínas. Dillon defende que “a definição de ruína” foi de facto “testada pela guerra mas muitos artistas estavam menos ansiosos que Macuallay sobre se seria justificável evocar naquela altura as estéticas das ruínas de séculos anteriores”.

Na segunda metade do século XX muita da resposta artística à cidade estava preocupada com os sucessos e fracassos de projetos como o da visão de Le Corbusier para Paris ou a de Albert Speer para a Germania sonhada por Hitler, defendendo Brian Dillon que alguns artistas britânicos “regressaram a visões passadas da estética das ruínas como modelos para pensar sobre a cidade no presente”. Somos assim conduzidos às fotografias que John Savage tirou em Londres nos anos 1970, nas quais – aponta Dillion – parte da cidade parece ainda que foi bombardeada, ao mesmo tempo que noutros lugares vemos sinais já decadentes da reconstrução do pós-guerra.

Numa perspetiva diferente, o artista norte-americano Robert Smithson definiu em 1967 a expressão ruins in reverse para explicar de que modo a arquitetura contemporânea parecia “não cair em desuso, mas em erguer-se em ruínas”... Na mesma década, como refere a exposição, o escritor JG Ballard entendeu a arquitetura de betão do pós-guerra como uma premonição da sua própria ruína.

Ruin Lust apresenta ainda um conjunto de obras de Tacita Dean, em cujos filmes, fotografias, desenhos e instalações explora velhas estruturas e máquinas que nos recordam de formas como, no passado, se olhava o futuro.

No fim, o percurso sugere-nos que contemplamos de facto as ruínas com um ponto de vista que não se esgota num exercício mental de viagem no tempo. Porque a ruína que seremos um dia está, de certa forma, retratada em sinais, lugares e construções do presente que somos. 

(1) Brian Dillon é um escritor, crítico e curador de origem britânica. No seu trabalho explorou já por diversas vezes ruínas antigas e modernas, assim como estudou a história da sua representação na arte e na cultura. Entre os livros que editou contam-se Objects in this Mirror: Essays; Sanctuary; In the Dark Room; e Ruins, an anthology of artists and critics reflections on ruination. É o editor britânico da revista Cabinet e ensina no Royal College of Art.
(2) in Ruin Lust, de Brian Dillon (Tate, 2014), pag. 5