Há um momento em Her (novo filme de Spike Jonze entre nós estreado como Uma História de Amor) no qual, à porta do que parece ser uma estação de metropolitano, o protagonista (num dos melhores papéis de sempre de Joaquin Phoenix), fala para o seu computador pessoal portátil, ao seu lado os demais que sobem e descem escadas não fazendo senão o mesmo. Trocam palavras com uma máquina, riem... Falam com alguém (ele com um programa de inteligência artificial, os outros imaginamos que façam o mesmo). Tentam no fundo iludir a solidão. E é sobre solidão de que afinal se fala quando se fala desta história de “amor” de um homem por um pequeno computador.
Não é a primeira vez que o cinema visita a ideia de amor digital. E basta recordar um Electric Dreams de Steve Barron (clássico dos oitentas de onde emergiu o clássico Together In Electric Dreams de Phil Oakey e Giorgio Moroder) ou a história da mãe que tentava descobrir o amor num filho-robot em A.I. – Inteligência Artificial de Steven Spielberg (sobre um conto de Brian Aldiss que Kubrick projetara adaptar para o grande ecrã) para entendermos que há muito o cinema reflete já sobre esta ideia da eventualidade da projeção do mais humano dos sentimentos sobre o espaço de uma máquina.
Her destaca-se desde logo pelo argumento notável que suporta uma narrativa com o fulgor de um bom romance escrito, daqueles que não nos deixam largar o livro sem o acabar. Junta um Joaquin Phoenix brilhante e o poder sedutor da voz de Scarlett Johansson (que “habita” o seu computador). E uma art direction dominada por tons quentes e confortáveis, num tempo que imaginamos não muito distante e num lugar algures não muito longe.
Joaquin Phoenix veste a pele de um homem recém-separado que ganha a vida numa empresa que escreve cartas para quem não tem tempo para as escrever. Está habituado às palavras e com elas projeta os afetos dos outros, em alguns casos acompanhando vidas e situações quase como se as vivesse e observasse de perto. A entrada no mercado de um novo computador de bolso dotado de inteligência artificial traz-lhe súbita “companhia”, uma nova noção de conforto a dois e, eventualmente, a sugestão de um afeto maior. Poderemos falar mesmo de amor?
Mais que projetar um debate moral, mais que procurar os limites do amor (ou o que os possa transcender), Her explora antes o que é a solidão e como a forma de a tentar iludir pode afinal não ser mais senão uma ilusão. Com o prefixo “des” a espreitar a cada esquine, caso algo deixe eventualmente de... funcionar.