Esta é uma história que começa com cheeseburguers e bolo de cenoura. O cenário é um diner em Nova Iorque. E no calendário lia-se 1983. Os Pet ShopBoys já contavam com dois anos de vida (nem todo o tempo sob esse nome). Com personalidades e gostos bem distintos, Neil Tennant e Chris Lowe tinham entretanto encontrado uma multidão de interesses em comum. E entre eles estava a sonoridade dos discos do produtor nova iorquino Bobby O (1), um dos maiores responsáveis pelo hi-nrg (2), som que então dominava segmentos importantes da cena noturna tanto em Nova Iorque como em São Francisco ou Los Angeles.
Numa altura em que Chris estudava arquitetura, trabalhava Neil como jornalista na revista Smash Hits. E quando surgiu a oportunidade de ir a Nova Iorque, para entrevistar os The Police (que nesse ano editavam o seu álbum Synchronicity), aproveitaram a viagem para tentar um contacto com o produtor. Procuraram o contacto telefónico de Bobby O e convidaram-no para almoçar. No final, este insistiu em pagar. No bolso Neil levava uma cassete com três maquetas - Opportunities, It’s a Sin e It’s Not A Crime. Perguntou a Bobby O se já tinha trabalhado com grupos ingleses, mas nunca ninguém o havia desafiado. Falou então na hipótese de trabalharem juntos e Bobby O aceitou. Seguiram para o seu escritório e ali Neil passou Opportunities, tema ao qual Bobby O respondeu que era algo em que poderia trabalhar: “Era completamente pilhado das coisas dele”, confessaria mais tarde Neil em Literally, livro de Chris Heath no qual se relata o que foi a primeira digressão do grupo, em 1989.
O primeiro resultado do trabalho com Bobby O chegou a disco a 9 de abril de 1984. West End Girls era o nome da canção, então numa versão algo diferente daquela que pouco mais de um ano depois faria dos Pet Shop Boys um nome com dimensão global. Editado originalmente nos EUA no formato de máxi-single (pelo que chegou ao Reino Unido, de onde o grupo era originário, via mercado de importação), West End Girls gerou um pequeno fenómeno de adesão nos circuitos noturnos de Los Angeles e São Francisco, e causou algum impacte na Bélgica e na França. Ninguém, nem eles mesmos, imaginavam que esta canção teria uma segunda vida e que com ela chegariam onde não tinham imaginando chegar.
Neil Tennant (n. 1954) cresceu em Newcastle onde, entre 1970 e 71 tocou guitarra acústica e cantou numa banda (chamavam-se Dust). Em 1972 mudou-se para Londres para estudar história. O primeiro emprego que teve foi como editor em publicações da Marvel Comics. Trabalhou depois na McDonald Publishing, na ITV Books e na revista Smash Hits. Em finais dos anos 70 já tinha respondido a anúncios de jornal para formar bandas e em 1981 tinha mesmo gravado algumas maquetas num estúdio em Londres. Eram temas influenciados pelo punk, sob o qual vivera os últimos anos, registando-as com a ajuda em estúdio do seu irmão Simon e a namorada dele, Sarah. As canções tinham títulos como The Taxi-Driver, She’s So Electric ou The Man on The Television.
Chris Lowe (n. 1959) cresceu em Blackpool e ainda adolescente chegou a ser teclista numa banda de heavy metal, os Stallion, mais tarde tornando-se trombonista na orquestra da escola e numa septeto de jazz local, os One Under The Eight. Em 1978 chegou a Liverpool, para estudar arquitetura.
Conheceram-se a 19 de agosto de 1981, numa altura em que Chris estava a trabalhar em Londres, à experiência, na Michael Aukett Associates. Encontraram-se numa loja de aparelhos de alta fidelidade em Kings Road. Neil, que levava consigo um teclado, tinha óculos e Chris achou-o com ar inteligente. Neil, por sua vez, pensou que Chris era um pouco louco porque ria muito. Começaram por falar sobre música, referindo nomes como Elvis Costello (que não parecia entusiasmar Chris) ou de Body Talk, canção dos Imagination (de que Neil não gostava). Mas tinham muito mais em comum e poucos dias depois estavam a escrever as suas primeiras canções.
O destino originalmente talhado para a banda não imaginava Neil Tennant como vocalista. “Era apenas uma operação temporária”, como ele mesmo descreve em Literally. Na verdade tinham em mente desafiar Jimmy Sommerville (3) (que tinham ouvido cantar o tema Screaming no filme Framed Youth: The Revenge of The Teenage Perverts), que em 1983 o mundo descobriria como vocalista em Smalltown Boy, o single de estreia dos Bronski Beat. Chris conhecia-o, esteve para acontecer. Mas a história seguiu outro caminho e Neil ficou com o lugar de vez. Tinham começado a gravar discos e era “tarde demais” para mudar (4).
Ao fim de um ano de trabalho resolveram gravar uma maqueta e procuraram nas páginas de classificados do jornal Melody Maker o estúdio mais barato. Pagaram 32 libras, levaram o equipamento próprio – um trombone, um cassiotone, e um sintetizador – mas usaram antes o sintetizador e o piano que havia nesse estúdio. Ray Roberts era o dono. E ali gravaram Bubadubadubadubadubadum, Jealousy e Oh Dear. No final da sessão faltava um nome para a banda. E escolheram West End (que não duraria muito tempo, surguindo depois Pet Shop Boys). Ray Roberts gostou deles e das canções e deixou-os voltar sem pagar, se lhe dessem uma percentagem do publishing. Nessa altura Chris estava de regresso a Liverpool, pelo que trabalhavam ao fim de semana. É por essa altura que Chris descobre o tema Passion, dos The Flirts, produzido pelo nova iorquino Bobby O, que em pouco tempo se transformaria numa referência motivadora para o duo emergente
(1) Bobby O – Também conhecido como Bobby Orlando, é um músico, autor e produtor norte-americano. É um dos pais do hi-nrg, e trabalhou, entre outros, com nomes como Divine, The Flirts ou os Pet Shop Boys, para quem produziu os seus dois primeiros singles.
(2) Hi-nrg – Derivado direto do disco sound empregando uso evidente de eletrónicas, surgiu nos EUA e teve repercussão imediata no Reino Unido em finais dos anos 70.
(3) Jimmy Sommerville (n. 1961) Cantor de origem escocesa, começou a carreira discográfica nos Bronski Beat e Communards antes de encetar um percurso a solo. A sua carreira teve mais visibilidade nos anos 80. O seu mais recente disco é Solent, de 2012.
(4) in Literally, de Chris Heath (Penguin, 1990), pag. 30
(continua)