Continuamos a publicação de uma entrevista com o realizador Abdellatif Kechiche realizada recentemente por ocasião da primeira apresentação entre nós do filme A Vida de Adèle – partes 1 e 2. Esta entrevista serviu de base ao texto 'O amor e a solidão contados no feminino' publicado na edição de 28 de novembro do DN.
Defende que A Vida de Adele não é um filme militante. Mas acha que pode fazer com que as pessoas pensem de outro modo?
Sim, e aí o filme terá a sua dimensão militante... Que não quero colocar na linha da frente, mas que está lá. As pessoas interrogam-se no fim do filme, sejam homens ou mulheres, hetero ou homo. Fala-se de amor. E já era altura de se dizer isto... Mas não tinha isso em mente quando estava a trabalhar. Estava demasiado mergulhado no filme. Que não tinha consequência das suas potenciais consequências. E acho que ainda não tenho.
Dedicou a vitória do filme em Cannes aos jovens franceses e a revolução tunisina.
Queria naquele momento partilhar com aqueles que seguem o mesmo ideal de vida. A juventude transporta sempre essa ideia de liberdade, de tolerância, uma outra visão para o futuro do mundo.
Essa ideia de tolerância está entre os jovens franceses de hoje?
Sim, muito mais que na minha geração. E observo isso pelo mundo. Também na Tunísia. Esta nova geração está mais aberta ao mundo, sobretudo graças aos novos meios de comunicação, em particular a Internet. Estão mais abertos que os que dirigem, que pertencem a outra geração.
Acredita num futuro de maior tolerância e mais informado nos países árabes?
Sim, terá de ser assim senão será uma catástrofe. Há um período de crise, mas quem é o responsável pela crise. Falamos da crise. Mas o que é a crise? De onde vem e porque está ali. E é um problema político a resolver. Quem toma a responsabilidade de sair da crise tem de tomar consciência que é responsável... Tem uma responsabilidade.
Segue atentamente o momento político nos países árabes.? A chamada 'Primavera Árabe' começou na Tunísia... Mas com os mais radicais depois a ganhar força.
Sim... Mas é um pouco uma reação... Quando há uma revolução há interrogações. O que se faz? E a escolha mais fácil é a de um refúgio na tradição. Mesmo que o principio seja o da busca de uma libertação. Mas creio que é preciso algum tempo. Talvez menos na Tunísia, porque há até ali uma tradição de democracia, de liberdade.
Este momento político inspira-o a fazer algo com expressão no seu cinema?
Não... Não creio. Não sinto o desejo de contar a revolução. Mas gostaria de contribuir... Não sei se isto acontecerá, mas gostaria de abrir uma escola de cinema na Tunísia.
Qual é a relação do atual poder tunisino com as artes?
A criação praticamente desapareceu. Para o poder não é uma preocupação. Quem está no poder acha que a cultura é algo supérfluo. Mas é essencial ao desenvolvimento de um país. Particularmente o cinema. Pode ser um espaço de reflexão, de criação de um discurso.
Gosta de viajar com os seus filmes e apresentá-los em festivais?
Viajar com um filme é cansativo mas traz bons encontros. Há coisas muito interessantes que as pessoas dizem. E um filme é feito para isso, para comunicar, para partilhar. É comunicação. Por vezes é difícil falar do essencial, mas ali há trocas.. E essas impressões, essas trocas e possibilidades é o que fica.
Essas conversas já o fizeram reconhecer novos ângulos sobre o seu trabalho?
Por vezes é uma espécie de psicanálise, mas como se fosse analisado por muita gente e cada um me revela qualquer coisa. Há coisas que estão no inconsciente. E no fim fico como um ator, que sai daquele inconsciente, Por vezes destabiliza, mas ao mesmo tempo é construtivo. Isso é o que faz o cinema. É a partilha. É diferente de o vermos sozinhos.