Fotos: N.G. |
Iniciamos hoje a publicação de um texto sobre o Museu de Auschwitz-Bierkenau, que visitei recentemente e que foi originalmente publicado no suplemento Q. do DN sob o título ‘Como dar vida às memórias num antigo campo de morte’.
Estou entre linhas de caminho de ferro. Ao fundo, a silhueta do portão de Auschwitz –Birkenau que tantas vezes tinha já visto em filmes e documentários televisivos. De um lado e de outro uma imensidão de espaço, algumas barracas sobrevivendo, o espaço do que foi um gigantesco campo de concentração estando hoje quase reduzido a chaminés geometricamente ordenadas numa grelha que, como as demais estruturas daquele lugar, mostram uma atenta e cuidada planificação. Caminho na direcção oposta à do portão, seguindo ao lado de uma das linhas de caminho de ferro. A dada altura, junto a um vagão semelhante aos que transportavam muitos dos que aqui chegaram entre 1942 e 1944, na sua maioria judeus provenientes de vários Estados europeus então sob ocupação alemã, um grupo de jovens estudantes israelitas, alguns com a bandeira do seu país pelas costas em jeito de capa, juntam-se em círculo, sentados, em silêncio. São perto de duas dezenas. Uma fração entre os cerca de 30 mil jovens israelitas que, todos os anos, visitam a Polónia para conhecer os locais associados à história do Holocausto.
Continuo a caminhar, pelo lado esquerdo da linha. Recordo-me então de uma foto de 1944, tirada por um oficial das SS por ocasião da chegada de um comboio de judeus húngaros a Birkenau. Ali reconhecera a mesma linha de caminho de ferro e até mesmo um barracão que mora ao seu lado, junto ao que era então a entrada do campo feminino. Nessa imagem que vira num dos barracões de Auschwitz 1, um grupo caminhava no mesmo sentido em que que eu agora me deslocava, na direção oposta à do portão, rumo (literalmente) a um fim de linha. Eu ali estava numa cinzenta manhã deste verão de 2013, ciente do que ali se passara... Mas eles, algures em 1944, podiam não imaginar aonde se dirigiam. Como nos é recordado pelos guias que acompanham as visitas que fazemos a Auschwitz e Birkenau, foi no verão de 1944 que o campo funcionou na sua capacidade máxima, levando para as câmaras de gás centenas de milhares de judeus húngaros. Chegavam de comboio, sujeitando-se a uma primeira arrumação que separava homens para um lado e mulheres e crianças para o outro. Depois, sob a orientação de médicos das SS, procedia-se à seleção. Ou seja, aqueles que estavam capacitados para trabalhar seriam admitidos no campo. Os restantes, incluindo os menores de 16 anos e idosos, seguiam diretamente para as câmaras de gás, a sua passagem pelo campo muitas vezes não chegando a duas horas. Era para onde aquela multidão da foto caminhava...
Chego ao fim da linha. Um monumento assinala as centenas de milhares que aqui perderam as vidas. De um lado e de outro os restos dos crematórios 2 e 3 (com as respetivas câmaras de gás), destruídos pouco antes da libertação do campo. Mas as suas cicatrizes estão visíveis nas fundações que agora estão a céu aberto. E as ruínas ainda resistem tantos anos depois.
(continua)