É uma das figuras centrais na história da poesia portuguesa do último meio século: António Ramos Rosa faleceu no dia 23 de Setembro, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, vitimado por uma pneumonia — contava 88 anos.
Desde O Grito Claro (1958), publicou uma obra vastíssima que inclui títulos como Ocupação do Espaço (1963), A Construção do Corpo (1969), Boca Incompleta (1977), O Incêndio dos Aspectos (1980) ou Volante Verde (1986) — a coabitação cúmplice de palavra e silêncio, a par de uma delicada e dedicada atenção à sensualidade dos corpos, são linhas de força que poderão ajudar a definir uma obra que se distingue pela precisão clínica das estruturas formais.
A Festa do Silêncio
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
in Volante Verde
Natural de Faro, no começo de Setembro, tinha doado à autarquia da cidade o espólio relativo ao percurso académico e literário. Entre as muitas distinções que recebeu, incluem-se o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia (1980), o Prémio Pessoa (1988) e o Prémio Jean Malrieu, para o melhor livro de poesia traduzido em França (1992)
>>> Obituário no Diário de Notícias.
>>> Blog de António Ramos Rosa.