segunda-feira, abril 01, 2013

Entre memórias e lojas de discos
com Luís Pinheiro de Almeida


Hoje iniciamos no Sound + Vision a publicação de uma série de memórias pessoais sobre os espaços das lojas de discos. Outrora muitas, em tempos maiores, não estão a desaparecer por completo, mas é verdade que hoje são poucas e começam a adaptar-se aos novos tempos. O vinil, os cultos, o circuito de coleção e dos discos usados são realidades já com expressão no presente em lojas portuguesas. Ao contrário de Londres, outrora a capital europeia das lojas de discos (e onde hoje o clima se aproxima do semi-desértico) as capitais nórdicas encontraram novos rumos com novas soluções (novamente o vinil, os cultos, mas também a criação de eventos) e podem dar-nos uma ideia de futuro possível. Para já, e num momento em que a era das discotecas de bairro já parece coisa da história antiga e a das grandes lojas terminou, deixamos aqui relatos na primeira pessoa dessas vivências entre discos.

Começamos com as memórias de Luís Pinheiro de Almeida, autor do livro Beatles em Portugal. Ao Luís (com quem andei por algumas lojas de discos nos noventas) um muito obrigado pela colaboração.


No meu tempo…

Bom, no meu tempo, que começa nos anos 60, em Coimbra, as lojas de discos chamavam-se discotecas.

A primeira discoteca onde terei entrado foi a Olímpio Medina, em Coimbra, onde, puto de 15 anos, de capa e batina, roubei o primeiro disco dos Beatles, She Loves You, no dia 18 de Abril de 1964

Mas discotecas a sério só em Lisboa, já a década de 60 ia avançada: muitos EPs na Casa Gouveia Machado, o primeiro LP dos Doors na Sol & Dó, muitos singles na Sinfonia (Live In The Sky, Dave Clark Five, Games People Play, Joe South, Love At First Sight, Baker Street Philharmonic, Amor Novo, Luís Rego), um EP inglês de Bob Dylan exposto ao sol como se fosse um jornal no exterior na Tabacaria Canasta no dia 14 de Dezembro de 1966 (One Too Many Mornings).

Lisboa era mesmo um viveiro: Compasso (Chase, Carlos Mendes, You’re So Vain, Carly Simon, Le Lac Majeur, Mort Shuman, All Those Years Ago, George Harrison), Apolo 70 (Part Of The Union, Strawbs, Smoogin’, Smoog, (I Can’t Get No) Satisfaction, Trittons, Junior’s Farm, Paul McCartney and Wings, Have I The Right, Dead End Kids), Drugstore Sol a Sol (Magical Mystery Tour, Beatles), Melodia, Discoteca do Carmo (Double Fantasy, John Lennon), Universal (When A Man Loves A Woman, Percy Sledge), Valentim de Carvalho (Tous Les Garcons Et Les Filles, Françoise Hardy, I Get A Kick Out Of You, Gary Shearston), Grande Feira do Disco, Frineve (Sê Um GNR, GNR), Livraria Barata (alguns de Zeca Afonso), Concorrente (Ode To The Beatles, Quarteto 1111, Pop Corn, Popcorn Makers, El Camino, Juan Carlos Caceres), Coop Bancários (Johnny B Goode, Peter Tosh), Livraria Ler, Estabelecimentos Electro-Ouro Lda.

E a capital portuguesa chegou a ter megastores como a da Valentim de Carvalho, no Rossio, e a Virgin, onde agora está a Loja do Cidadão, nos Restauradores.

Mas o que importa para aqui são as discotecas inglesas e essas – oh meu Deus! – eram o êxtase total: mexer naqueles discos, sujar as mãos com o pó, descobrir as novidades, comprar os grandes êxitos, arriscar no desconhecido.

E quando elas, as discotecas, era mais sofisticadas, até se comia lá dentro um muffin de chocolate e um capuccino para não perder pitada…


Recordo muitas, muitas, as várias HMVs, Virgins, Our Prices e Towers espalhadas por toda a cidade de Londres, mas também a Rhythm Records (provavelmente a que mais me enchia o olho e esvaziava a carteira), Sister Ray, Music & Video Exchange, Rough Trade, Revival Records, Harlequin Records, Selfridges, Sounos, I Was Lord Kitchener’s Valet e Gear, estas três últimas na Carnaby Street dos anos 60.

Até as lojas em Heathrow eu percorria para uma última aquisição.

Mas deixem-me recordar duas discotecas londrinas, ambas já desaparecidas, que sempre trago no coração pela história que ostentam.

Uma, Chelsea Drugstore, em King’s Road, que os Rolling Stones celebrizaram em You Can’t Always Get What You Want e Stanley Kubrick em A Clockwork Orange. Foi o primeiro drugstore britânico, abriu em Julho de 1968 e fechou em Maio de 1971. Hoje é um McDonald’s.

Comprei lá muitos discos na Páscoa de 1970. Do que tenho apontado, lembro: Everybody Get Together (Dave Clark Five), That Same Olf Feeling (Pickettywich), Let’s Work Together (Canned Heat) , Travellin’ Band (Creedence Clearwater Revival) e Bridge Over Troubled Water (Simon and Garfunkel).

A segunda, provavelmente a mais famosa e a mais histórica, a HMV no 363 de Oxford Street (foto grande mais acima).

Foi aqui, no dia 08 de Maio de 1962, que Brian Epstein passou as chamadas “Decca Tapes”, dos Beatles, para acetato. Foi aqui também que o mesmo Brian Epstein se encontrou com Sid Coleman, da companhia de publishing da EMI, Ardmore & Beechwood (primeiro publishing dos Beatles), que, por sua vez, serviu de intermediário para o conhecimento com George Martin, da Parlophone. E o resto é história…

E foi aqui, também, que eu, sem o saber, comprei no dia 30 de Março de 1970 o que viria a ser o último single dos Beatles, Let It Be. Onze dias depois, Paul McCartney anunciava formalmente a dissolução do Beatles.

Esta primeira loja da HMV foi inaugurada no dia 21 de Julho de 1921 pelo compositor Edward Elgar e fechou em Abril de 2000.

Hoje, no local da discoteca, está, ou estava há poucos anos, uma Foot Locker, mas também a célebre placa azul que assinala os edificíos históricos da Grã-Bretanha, descerrada por George Martin no dia 26 de Abril de 2000.