A foto de Barack Obama como "personalidade do ano" da revista Time é um pequeno prodígio de contenção e simbolismo. Assinada pelo fotógrafo israelita Nadav Kander, nela encontramos a funcionalidade jornalística do retrato convivendo com a hipótese argumentativa do mito.
O mito é uma narrativa, lembrava Roland Barthes. E é disso que se trata, de um magnífico paradoxo que se desenha perante o nosso olhar: à beira de assumir o seu segundo mandato, Obama apresenta-se como uma figura ao mesmo tempo serena e expectante — corpo vivo e monumento estático. Por um lado, ele é o objecto eleito pela luz, de acordo com um método clássico, obviamente não alheio à iconografia do star system; por outro lado, o seu olhar parece fixar um ponto preciso, talvez do cenário circundante, talvez meramente interior. Kander consegue a proeza de situar o seu retratado num devir que, em qualquer caso, a fotografia se priva de concretizar. É um instante de alguém que imagina alguma coisa. Ou que a pensa. Aliás, em boa verdade, é uma imagem cuja imaginação é já uma forma de pensamento.