Há seis anos a editora Deutsche Grammophon abriu e colocou os seus arquivos de gravações de música clássica à disposição de músicos na área das novas eletrónicas. As gravações eram assim a matéria prima, podendo os músicos recorrer a técnicas de sampling e de remistura, havendo liberdade para explorar formas e até juntar novos elementos sonoros. A relação de alguns compositores do nosso tempo com as máquinas e formas musicais mais frequentes na música de dança eletrónica atual não é propriamente uma novidade. Tanto Steve Reich como Philip Glass já tiveram obras suas remisturadas por outros músicos. Mas as premissas da série lançada pela DG não eram exatamente as de desafiar os músicos convidados a remisturar as gravações, mas antes, dar largas a experiências de “recomposição”.
O primeiro volume, editado em 2006, teve o finlandês Jimi Tenor como protagonista. E tomou como matéria prima para a sua coleção de re-composições obras como Music For Mallet Instruments e Six Pianos, de Steve Reich, Wing on Wing de Esa Pekka Salonen, Vexations, versões 1 e 2 de Erik Satie ou Déserts e Ionisation, de Edgar Varèse. O músico justificou as escolhas: “Os trabalhos românticos e clássicos não serviam muito a ideia. Os arranjos são muito densos e quando a orquestra toca junta há sempre muita reverberação natural no som. Soa de forma fabulosa nas gravações originais, mas fica algo distante neste contexto. Acabei por usar mais gravações feitas com microfones mais perto dos instrumentos. O que deixou de fora muitas gravações de orquestras sinfónicas”, lê-se no booklet do disco. Entre as obras que aborda surge Deserts, de Varèse, compositor que em tempos afirmou que desejava “instrumentos obedientes” ao seu “pensamento e capricho”, acrescentando que esperava ainda pela, “sua contribuição para todo um novo mundo de sons insuspeitos, que atribuam a si mesmos as exigências “do seu “ritmo interior” (como se lê no booklet). E, como tão bem referem Russell Haswell e Florian Hecker no booklet desta edição, os instrumentos usados neste volume inaugural da série fazem eco desses desejos do compositor.
O alemão Matthias Arfmann (na foto que abre o post), cuja obra se centra nos espaços do hip hop, do reggae e dub, foi o convidado para criar o volume 2 desta serie. “Uma das características centrais do dub é a transformação do som original de uma gravação de forma a tornar-se quase irreconhecível, assim como implica a uma redução significativa do material musical ao essencial”, explica o booklet do CD, justificando a lógica de abordagem. Repetindo o modelo do disco de Jimi Tenor, Arfmann apresentou uma coleção de re-composições sobre gravações de obras como a Sinfonia Nº 9 de Antonin Dvorák, a Moldávia, de Bedrich Smetana, a Sinfonia Nº 8 de Franz Schubert ou Marte, da suite Os Planetas, de Gustav Holst. Ao contrário do disco de Jimi Tenor, onde a seleção de obras (centrando olhares no século XX) definiu um ponto de vista, o volume de Arfmann limita-se a vestir as peças selecionadas segundo uma abordagem de género, representando o menos interessante dos títulos já editados.
As capas dos volumes um e dois desta série da Deutsche Grammophon, respetivamente assinados por Jimi Tenor e Mathias Arfman.
(continua)