Este texto de obituário sobre o compositor Simeon Ten Holt foi originalmente publicado na edição de 4 de dezembro do DN com o título 'As visões obstinadas de um esteta da repetição' .
Reduzir Carl Orff à cantata Carmina Burana ou Gustav Holst à suite Os Planetas pode dar-nos um retrato errado de figuras cuja obra ali conheceu momentos de invulgar visibilidade mas que em nada ali se esgotam. Tudo isto para sublinhar que não podemos limitar um olhar sobre o compositor holandês Simeon Ten Holt a Canto Ostinato, a sua mais célebre criação, centro de um verdadeiro fenómeno de culto que gerou inclusivamente um documentário – Over Canto, de Ramon Gieling, exibido este ano no Indie Lisboa – que dá conta de pessoas cujas vidas definiram com nesta música um relacionamento peculiar.
Crente no peso do acaso não apenas na criação artística mas na própria definição dos rumos da vida, Simeon Ten Holt morreu no passado dia 25, em Alkmaar (Holanda) aos 89 anos.
Natural de Bergen, estudou com o também holandês Jakob van Domselar, que chegou a integrar o movimento De Stijl. Partilhando interesses e uma mesma visão filosófica com Domselar, Simeon Ten Holt acabaria por desenvolver uma linguagem musical que, depois de etapas em que abraçou o serialismo e a música eletrónica e, mais tarde, a música improvisada, rumou aos espaços do minimalismo. Com alguma afinidade com o carácter menos lírico da música de Philip Glass nos anos 60 e 70, as visões minimalistas de Holt exploraram sobretudo padrões rítmicos, construções celulares (a repetir) e um carácter hipnótico em parte sublinhado pela extensa duração das performances.
Canto Ostinato, criado entre 1976 e 79, ganhou maior visibilidade que as suas demais criações, estabeleceu uma linguagem e vincou uma forma de lidar com o intérprete, uma vez que a peça não tem duração pré-determinada. Seguindo principios semelhantes, Lemniscaat, de 1983, chamou atenções por ocasião da sua estreia, que se prolongou durante cerca de 30 horas.
Imagens de capas de edições discográficas com gravações de obras de Simeon Ten Holt.
Imagens de uma interpretação ao vivo de Canto Ostinato. Esta versão, para quatro pianos, tem a duração de uma hora e 39 minutos e é acompanhada pela projeção de imagens de captação aérea, apresentadas ao fundo do palco.