segunda-feira, junho 11, 2012

A reconstrução de uma história


Foi claramente uma figura menor na história não só do Antigo Egito mas até mesmo da própria 18ª dinastia da qual foi antepenúltimo rei. Suposto filho de Akenaton (facto que não é unânime), Tutankamon é todavia um dos monarcas egípcios mais conhecidos pelo facto de, em 1922, a descoberta do seu túmulo por Howard Carter e Lord Carnavon ter revelado a primeira abertura de uma câmara funerária de um faraó deixada intacta desde o dia em que o sarcófago com a múmia ali fora deixado, todo o tesouro ali encontrado resultando num dos acervos museológicos mais célebres e visitados de toda a antiguidade.

Tutankamon (1341-1323 a.C.) é contudo um nome que lança mais questões que respostas. E as observações que Carter registou logo em 1922, quando ao abrir as salas do túmulo (e mais tarde a múmia) reconhecia sinais de desordem, desarrumação e eventual pressa, foram dos primeiros sinais lançados sobre não apenas o final do reinado mas da própria figura que foi o jovem faraó ali encontrado. Paul Doherty, um académico com longa bibliografia assinada (entre a ficção e o ensaio) e um claro gosto por grandes “mistérios” da história, propõe em The Secret History of Tutankhamun, com o sub-título Re-opening the case of Egypt’s Boy King, uma recolha, arrumação e possível interpretação dos poucos factos que podem permitir uma reconstituição do que se passou. Com base nas descrições de Howard Carter, análises à múmia do faraó, a atenta observação das paredes pintadas da sua câmara funerária e as escassas representações encontradas em outros lugares o autor propõe uma visão que dá Tutankhamon como um jovem faraó de débil saúde física (e possivelmente mental, resultado dramático da consanguinidade dos seus pais), que terá passado grande parte da sua vida nos espaços protegidos dos palácios em Amarna e Tebas onde viveu e cuja morte, perto dos 18 anos, foi facto escondido de um possível pretendente ao trono – o general Horemeb, que na verdade seria coroado poucos anos depois.

Convém aqui recordar que o jovem Tutankamon deverá ter nascido em Amarna para onde Akenaton mudou a capital do Egito durante um reinado que assistiu a uma mudança significativa nos jogos de poder a partir do momento em que o monarca instaurou oficialmente um culto monoteísta ao sol (o deus Aton), retirando aos muitos sacerdotes dos restantes cultos o protagonismo político e social que até aí detinham.

A morte de Akenaton e do seu breve sucessor Smenkhare (cuja identidade gera ainda debate) colocou no trono o jovem Tutankamon (o último dos príncipes de linhagem real) com apenas nove anos. Antigo homem de confiança de Akenaton, Ay tomou a regência – e o real poder – restaurando os velhos cultos, devolvendo pouco tempo depois o faraó à velha capital de Tebas.

É aqui que entram em cena as informações e conclusões que o livro sugere. O respeito de Ay pela velha família real terá levado o regente a trazer de Amarna para o Vale dos Reis (perto de Tebas) os restos mortais e respetivos tesouros de Akenaton e seus familiares mais próximos. Perante um possível tumor cerebral e um eventual estado de coma terminal do jovem faraó, então com 18 anos, o dedicado Ay (cujo poder na verdade residia no facto do frágil Tutankamon ser o rei) levou o monarca para o Vale dos Reis onde terá morrido pouco depois. Os ritos sagrados da mumificação – que Doherty descreve como podendo levar aproximadamente 70 dias a cumprir – terão sido apressados e desordenados, mas sem nunca haver falta de sinais de respeito pelo faraó morto. Sem um espaço seu escavado, Tutaknamon terá ficado com um pequeno túmulo perto do que se pensa ser o “armazém” onde estariam guardados os sarcófagos e tesouros recolhidos em Amarna. O túmulo de Tutankamon seria então recheado com peças oriundas desses outros tesouros, a aparência final do espaço podendo destinar-se à aprovação da mulher de Tutankamon, também ela uma princesa real, a quem Ay procurou agradar. Doherty crê que o próprio Ay terá supervisionado o processo fúnebre de Tutankamon e, não tendo este descendência nem havendo outros príncipes vivos, sido ele mesmo coroado, contando a seu favor com os sacerdotes cujo poder ajudara a restaurar... E, sem tempo para criar novos selos em seu nome, Ay fechou o túmulo do jovem faraó com os selos do próprio Tutankamon. Os mesmos que Carter descobriu e quebrou, quando foi descoberto, em 1922.

Relato interessante, pessoal, naturalmente controverso e não unânime, o livro de Paul Doherty tenta contudo arrumar e ordenar factos e ideias com mais de três mil anos. Veicula uma tese e tenta defendê-la (a nada de errado nisso), sendo que muitas das conclusões não deixam contudo de poder ser mais que hipóteses, mesmo que devidamente (como são) contextualizadas e justificadas. Pena apenas o excesso de repetições que o texto por vezes revela.