domingo, maio 27, 2012

Entrevistas de arquivo: U2, 2005


Este texto é uma versão editada da entrevista com Adam Clayton foi publicada no DN a 14 de agosto de 2005, o dia da passagem por Lisboa da Vertigo Tour dos U2.

Foi necessário refrear o aparato visual dos vossos concertos depois das grandes digressões dos anos 90, a Zoo TV e a Pop Mart? 
Creio que foi necessário para nós a ideia de um regresso ao que era fundamental, e devolver as atenções novamente à música. Quando fizemos essas grandes digressões, e juntava-lhes a essas duas a Joshua Tree, o que aconteceu foi que somámos, de seguida, três grandes digressões para estádios. E é mais difícil apresentar as canções num contexto de estádio. Particularmente na América, onde não há o bilhete “geral” [relva], e tocamos para um público sentado. E parte dos objectivos da etapa americana desta actual digressão, tal e qual acontecera na última, foi conseguir ter esses bilhetes de geral, em pé. E isso assegurou o regresso da sensação do concerto rock’n’roll para nós.

Em termos de criação musical foi-vos também indispensável regressar a um som mais “convencional” depois dos álbuns que gravaram nos anos 90, com mais elementos pop e electrónicas? 
Nós somos grandes fãs de pop. Gostamos desses discos, gostamos dessas canções. O que nos excitou nestes últimos discos foi o facto de podermos trabalhar muito mais depressa, sendo apenas nós, a banda, numa sala. Quando se trabalha com computadores, com samples, com elementos processados, o trabalho é mais longo. E no álbum anterior, como neste último, gostámos dos resultados que estávamos a obter ao ouvir a banda a tocar junta. E começámos também a nos aperceber que uma banda que toca há tanto tempo como nós tem uma personalidade, uma qualidade que levamos às coisas, uma identidade, que só pode ter a ver connosco. Isso tem um valor muito especial, e foi entusiasmente para nós.

Mesmo assim reconhece a importância, na história dos U2, do momento de reinvenção com Achtung Baby e Zooropa
A reinvenção é mais um termo usado pelos media. De certa maneira sempre fizemos o mesmo, a questão é apenas se aumentamos o som das percussões no disco, ou se aumentamos o som da banda. É um jogo de equilíbrios, e por vezes quase uma batalha. E neste disco, como no All That You Can’t Leave Behind também usamos aqueles sons adicionais de electrónica que são, de resto, uma componente do som da banda desde o Unforgetable Fire.

Ao regressarem a mecânicas e colaboradores de há 25 anos em How To Dismantle An Atomic Bomb como se sentiram novamente junto de um som e uma identidade que já viveram no passado, mas com mais 25 anos de experiência vivida? 
O mais interessante com este disco foi que, quando começámos a juntar elementos e ideias, verificámos que o que regressou às origens foi o som da guitarra. E muito do que estava a aparecer fez-nos lembrar territórios que tínhamos já percorrido nos anos 80. E foi interessante ver que, com tudo o que aprendemos nos últimos 25 anos, como é que iríamos fazer as coisas de uma forma diferente.Voltámos a escutar as canções de Boy e reparámos que eram mesmo boas. Vinham de um lugar de inocência, mas sem saber bem qual era o caminho que havia pela frente. Este disco, agora, é aquele que reconhece qual foi esse caminho, onde nos levou e no que fez de nós.

Como reage ao rótulo “a maior banda do mundo” que vos é frequentemente apontado? 
Junto-lhe sempre a expressão “de hoje” no fim... Porque há sempre alguém mais a fazer qualquer coisa que respeitamos e admiramos. O rock’n’roll é uma realidade transitória, as bandas são transitórias. É bom ser-se reconhecido dessa forma, mas só se é tão bom quanto o nosso mais recente risco.

Vê cada novo disco ou concerto como um desafio a vencer? 
Sim. Quando começamos a fazer um disco novo temos de querer fazer mesmo um disco novo. Não por ser aquela altura do mês em que o temos de ir para estúdio. Temos de sentir que temos coisas para dizer, e por vezes leva temo a encontrar esses sumos criativos. A descobrir o que é relevante, em que área devemos estar. Levamos algum tempo a focar-mo-nos, até que chegamos à essência da ideia do que a banda deve ser. Este álbum e esta digressão têm sido interessantes porque nos estão a revelar muitas coisas à media que o tempo passa. Isto num tempo em que os direitos humanitários estão a ser desafiados em todo o mundo. Esse é um tema central do espectáculo. E nesta era em que vivemos num mundo aterrorizado é importante não perdermos a nossa humanidade.

Nestes dias de neurose global em que vivemos acha que uma banda deve ser mais política ou escapista? 
Isso difere consoante as bandas em questão. Penso que os artistas sempre tiveram uma consciência da política. A pintura sempre espelha o que o mestre comentou, e revela se o mestre é justo ou não. Creio que com a música se passa o mesmo. Especialmente quando consideramos quais são as origens da música folk, que conta histórias, como por exemplo a dos donos das terras que olham sobre os camponeses... Acho que as pessoas querem que as canções sejam relevantes. Acho que mão querem canções de amor, mas antes canções que reflictam as suas vidas e os valores que defendem. Para nós é importante que o contexto das nossas canções seja politizado. Mesmo que possa haver um tema de amor, ou sobre o poder do amor, é sempre contextualizado numa qualquer luta que nos pareça que esteja a acontecer.

Acha que os U2 tiveram o seu peso político quando falaram da Irlanda nos anos 80, ou na Bósnia nos anos 90? 
Julgo que temos sorte por termos provindo de um certo lugar e de termos aparecido no lugar certo na hora certa. Se temos acesso a grandes mentes, a grandes pensadores, se podemos fazer parte de um processo, então é aí que queremos estar.

O actual peso político de Bono pode fazer das mensagens dos U2 uma força eficaz? 
As coisas ajudam-se umas às outras, assim como entram em conflito umas com as outras. Parte da celebridade do Bono e da sua credibilidade deve-se naturalmente à banda. Mas penso que ele se porta muito bem nessas situações. É um grande comunicador. Quando levanta certas questões com políticos, homens das finanças ou religiosos, consegue fazer com que falem uns com os outros.

Foi importante para os U2 tocar, 20 anos depois do Live Aid, no Live 8? 
Foi um privilégio, uma honra tremenda, ser convidados para abrir o Live 8. E foi particularmente espantoso estar em palco com o Paul McCartney. Tínhamos outro concerto nesse dia. Abrimos assim o Live 8, felizes por ali estar, e saímos... E na verdade não vimos mais nada, porque passámos o dia a viajar. E quando acabámos o nosso concerto nessa noite, já tinha acabado. Mas foi um bom alinhamento.

O que sente quando olha para veteranos como, precisamente McCartney ou mesmo os Rolling Stones? Pensa no seu futuro e no dos U2? 
Essa é difícil!... Não penso exactamente se vou ser como eles daqui a 20 anos. Porque vão ser os pequenos degraus da vida que me vão levar até então. Temos de pensar no próximo disco, e no seguinte e no outro a seguir. E se fizermos as coisas bem feitas, daqui a 20 anos ainda poderemos ter uma carreira credível.

Numa entrevista recente Bono falava dos U2 como uma banda que terá ainda a audácia para fazer um disco pop. O vosso futuro passará por aí? Um novo desafio? 
Creio que ainda haverá muitos desafios para nós, e esse será um deles. Um disco pop! Penso que, nesta altura, estamos mais interessados no lado rock das coisas, mas um disco pop será sempre uma boa ideia.

Em finais dos anos 80, Neil Tennant criticava a falta de sentido de humor nos U2 e fez, com os Pet Shop Boys, uma versão disco de Where The Streets Have No Name. O que pensa da crítica e da versão? 
Gosto muito da versão dos Pet Shop Boys. Penso que a sua crítica, na altura, baseava-se no que era a imagem pública dos U2 na época.

Uma imagem demasiado séria?
Sim... E há uma coisa que vem com o facto de se ter uma vida pública e ter criado uma “persona” que é, se tivermos o nariz um bocadinho grande, o público dirá que temos um nariz enorme e a imprensa dirá que temos um nariz enorme. Mesmo não tendo um nariz enorme, porque é apenas um bocadinho maior que o habitual... Nos anos 80, os U2 eram vistos como sérios e ninguém parava para pensar que, nas nossas vidas pessoais, tínhamos tanto sentido de humor como qualquer um! E por termos sentido de humor gostámos da versão dos Pet Shop Boys. Tínhamos sentido de humor, mas estávamos apenas a a ser sérios relativamente à música.

Aquelas fotos convosco travestidos em Berlim, por Anton Corbijn, ou o personagem MacPhisto criado por Bono na Zoo TV foram uma resposta de quem queria dizer que tinha mesmo bom sentido de humor? 
Mostraram um outro lado da banda. Mostraram coisas que muitos não esperavam nos U2 nessa altura. Mas o que há de fantástico nos U2, e o que é a essência do que somos, é o facto de nos podermos lançar em qualquer direcção. Podemos fazer coisas espantosas.