Vocalista dos Post Hit e designer gráfico, Paulo Scavullo partilha com o Sound + Vision a sua visão sobre Rio, o álbum de 1982 dos Duran Duran.
Existem coisas às quais nos ligamos de uma forma tão inexplicável que passam a fazer parte de nós, do nosso interior mais indecifrável, muitas vezes sem nos apercebermos porquê. Rio, o album icónico dos anos 80, a obra maior dos Duran Duran, é uma dessas coisas que intimamente faz parte de mim. Vou tentar explicar porquê.
Tive sempre um grande fascínio por capas de discos e achava inicialmente que um disco deveria ser consumido do exterior para o interior. Quando me interessei por música, nos anos 80, a década da “imagem pop” na música pop, fui inúmeras vezes seduzido por essa espécie de efeito de “camada superficial”, que em inúmeros casos foi inevitavelmente efémera, mas que em diversos outros me foi permitindo penetrar no seu interior. Era uma época de descoberta, quer pela minha idade, quer pela década em si. Numa época em que a diferença e a diversidade eram bem mais extensas do que são hoje e onde os formatos tinham outro sabor, os discos de vinil preenchiam os desejos mais vorazes de quem esperava pela ultima novidade. Foram muitas as vezes que comprei um disco pela sua capa, mas rapidamente percebi que esse fascínio pelo "exterior" nem sempre tinha continuidade no “interior”. Em Rio, dos Duran Duran, detentor da mais emblemática capa dessa década, da autoria do artista Patrick Nagel (já desaparecido, habitual ilustrador da Playboy), descobri a estranheza de uma capa improvável para o grupo em questão, e um interior (leia-se 9 músicas), que eram também a sonoridade menos esperada de um grupo que na altura se transformava na maior banda planetária, ídolo de adolescentes, logo suspeita aos olhos da crítica mais elitista. Já no seu anterior álbum (Duran Duran, 1981) se poderia sentir que este não seria um grupo condenado ao efeito rápido da música descartável de consumo sazonal ou, se quisermos, uma espécie de one hit makers. Rio afirmou-se um album soberbo de espinha dorsal, com todas as ligações, texturas e disseminações perfeitas num corpo bem articulado, eficaz e à imagem da sua época, mas sem ser frágil. Um disco, afinal, que não ficou datado porque não cristalizava a mortalidade das coisas próprias de um tempo, antes disposto a ultrapassar o seu tempo, morrendo, ressuscitando e ascendendo a um lugar perpétuo que lhe confere ainda hoje em dia o lugar de álbum de referência. Este é um disco que soube tão bem citar-se a si próprio nas suas referências que hoje é citado por tantos nomes que ali vão dissecar o detalhe - esses detalhes que fazem com que este disco se torne quase um disco carregado de aura "pop", muito embora tenha levado alguns anos a atingir o estatuto de referência que hoje possui, já que anos 80, apesar do seu sucesso mundial, foi subestimado pela crítica. Hoje, faz parte daquelas listas cliché, do género "1oo discos que deve ouvir antes de morrer". Mas este não é tanto um desses discos, porque tendo nascido em cada um de nós morrerá connosco também.
Se existem discos que continuo a gostar apenas pela capa, este é daqueles que de imediato aprendi a gostar na sua totalidade e se tornou o disco perfeito. Assim, este fascínio contemplativo pelas capas dos discos, por onde comecei a descobrir a música, esteve sempre relacionada com o meu interesse pelas áreas do design, sobretudo o design gráfico, e que foi ainda mais estimulada pela magia dos discos de vinil. Este é um disco que só se imagina enquanto disco de vinil, e por isso os anos 80 foram a década em que percebi tudo isto. Rio possui uma magia que muda constantemente, e "olhar" de novo para um disco que se redescobre em cada audição permite-nos quase compará-lo ao que Oscar Wilde escreveu em Dorian Gray. Aqui os Duran Duran manter-se-ão sempre jovens naquele que é o seu retrato perfeito e inimitável.
Não poderia terminar este meu olhar sem referir alguns dos temas que imortalizaram este disco, também ele tão associado a outro fenómeno inteligentemente explorado pelos Duran Duran: o vídeo clip. Temas de referência: Rio, Hungry Like the Wolf, Save a Prayer e The Chauffeur.