terça-feira, março 08, 2011

"Rotten Tomatoes" vs Godard: como agredir a inteligência


1. A Internet gerou um equívoco — que, pelos vistos, alimenta o imaginário de uma geração — em torno da produção colectiva de opiniões. Mais exactamente, há muitos mecanismos de informação (?) que favorecem a confusão entre a mera afirmação de quantidades e o triunfo pleno da democracia.

2. Jean-Luc Godard, por exemplo: e o seu Filme Socialismo [cartaz americano] tal como surge no Rotten Tomatoes. Ninguém está à espera (eu não estou) que Filme Socialismo seja um acontecimento minimamente interessante para muitos frequentadores daquele site. Tudo bem! Creio que Godard é apenas um dos quatro ou cinco maiores artistas contemporâneos, mas tal ponto de vista é alheio às "maiorias" ou "minoriais" que em torno dele (ou de qualquer outro artista) se possam gerar. O problema é de outra natureza. Tem a ver com o (des)respeito pela inteligência de cada um de nós. Assim, no Rotten Tomatoes, na maioria anti-Filme Socialismo, cabem mediocridades como aquela que considera o filme "incompreensível, incoerente e intolerável". A afirmação foi escrita num tal Now Playing Magazine, por Norman Milner, e denota uma vontade de policiamento cultural ("intolerável") que me dispenso de classificar. A questão — a única interessante — é que muitas "opiniões" deste teor podem fazer com que o Tomatometer (o nome é revelador da seriedade com que se encara o fenómeno cinematográfico) dite a sua lei: Filme Socialismo vale 4/10...

3. O problema, enfim, não é que os espectadores "concordem" com esta ou aquela crítica. Muito menos tem a ver com o simplismo, sedutor mas também meramente quantitativo, das célebres estrelinhas. O problema é, em última instância, a perversa quantificação do pensamento próprio de cada indivíduo, espectador incluído — não problematizar as especificidades de tal pensamento, servindo tudo em estatísticas de tomatada, é uma pura agressão.