segunda-feira, dezembro 31, 2007
Ano Bowie: um breve epílogo
Beady Belle + jazz + Noruega
O álbum esquecido dos anos 90
The Buddha Of Suburbia – Álbum, 1993
O melhor de 2007: os filmes
Temos filmes. O morte do cinema é uma notícia francamente exagerada... Mas não temos mercado, ou melhor, temos agentes de mercado que, de um modo geral, dependem de uma lógica de difusão — selecção + promoção — que quase se esgota nos modos de vender blockbusters (e que possa haver blockbusters que sejam obras-primas não altera minimamente o problema). Daí duas consequências muito reveladoras, ambas profundamente nefastas, e nefastas, antes de tudo o mais, no plano comercial: primeiro, a arbitrariedade do calendário, com constantes marcações/desmarcações de estreias e também com tempos de exibição curtíssimos para a maioria dos filmes; depois, a "transferência" para a área do DVD de alguns lançamentos que poderiam ter lugar de destaque no circuito das salas (apenas um exemplo recente: a edição, directamente em DVD, de Away from Her/Longe Dela, de Sarah Polley, filme que vai acumulando prémios e nomeações, em especial para Julie Christie, e que, por certo, irá surgir na corrida para os Oscars). Dito isto, transfere-se para 2008 a pergunta simbólica: o cinema do futuro vai ser "mais" ou "menos" digital? Podemos responder apenas que será outra coisa que não a formatação televisiva.
1. Inland Empire, de David Lynch
2. Zodiac, de David Fincher
3. O Caimão, de Nanni Moretti
4. Zidane, Um Retrato do Século XXI, de Douglas Gordon e Philippe Parreno
5. O Bom Alemão, de Steven Soderbergh
6. Peões em Jogo, de Robert Redford
7. Promessas Perigosas, de David Cronenberg
8. Paranoid Park, de Gus Van Sant
9. Belle Toujours, de Manoel de Oliveira
10. Pecados Íntimos, de Todd Field
Fui menos ao cinema que em 2006. Fui, contudo, mais a festivais que no ano anterior. E aí, de facto, algumas grandes descobertas, do soberbo documentário sobre Scott Walker (que vi em Berlim), ainda à espera de saber se poderá ser visto por estas bandas, à revelação de Cam Archer que, depois de Larry Clark, é o segundo realizador a quem Gus Van Sant “apadrinha” (como produtor executivo) a sua primeira obra. A ficção científica conheceu um dos seus melhores filmes em anos com Sunshine – Missão Solar, de Danny Boyle. Fincher deu novo corpo e dimensão à era do digital no espantoso Zodiac. Os dois lados de um conflito, por Clint Eastwood, em Bandeiras dos Nossos Pais e Cartas de Iwo Jima, mostraram uma forma diferente de filmar a guerra. Florian Henckel von Donnersmarck levou a As Vidas dos Outros o terror silencioso dos dias de vigilância na velha Alemanha que se dizia “democrática”. Gus Van Sant regressa ao seu melhor em Paranoid Park. Gregg Araki, em primeira experiência de produção com melhores meios, fez de Mysterious Skin (que só este ano chegou a Portugal) um assombroso conto dos nossos dias. Todavia, nesse impulso de retratar a sociedade em que vivemos é imbatível o sublime Pecados Íntimos, de Todd Field. Assim como o é o espantoso Shortbus, reflexão (algo entre o cinema e as técnicas de construção das artes performatrivas) sobre a sexualização do quotidiano em que vivemos. Control, o biopic de Anton Corbijn sobre Ian Curtis mostrou sóbrio foco na figura, contando a sua história e não a do mito. Fados, de Carlos Saura, ensaiou visões ousadas e desafiantes ao fado, sublinhando um ano de particular exposição fora de portas para algumas das suas vozes. E, a fechar, o melhor de todos... As Canções de Amor, de Christophe Honoré. Ou, como compreender a força da cena “Kim Wilde” do anterior Em Paris e daí, juntando a herança do musical de Demy aos códigos nova vaga que já ensaiara, propor um musical que sabe transportar para um contexto actual todas essas genéticas preciosas do cinema francês. As canções de Alex Beaupain, naturalmente, a servir como suculentas cerejas pop sobre um bolo de excepção.
1. As Canções de Amor, de Christophe Honoré
2. Pecados Íntimos, de Todd Field
3. Shortbus, de John Cameron Mitchell
4. Control, de Anton Corbijn
5. Paranoid Park, de Gus Van Sant
6. Wild Tigers I Have Known, de Cam Archer
7. Zodiac, de David Fincher
8. Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood
9. As Vidas dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck
10. Fados, de Carlos Saura
Cinema português vs televisão portuguesa
O ano televisivo de 2007 termina sob o signo do... cinema! É certo que os horários nobres dos canais generalistas continuam a marginalizar os objectos cinematográficos (a passagem na SIC, no dia de Natal, a partir das 21h00, de A Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg, sobrou como uma honrosa excepção). Mais do que isso: o ano televisivo termina sob o signo do cinema... português! Isto sem esquecer que as telenovelas, e todas as suas derivações, continuam a ser o modelo de eleição das programações. Mas o facto aí está: Call Girl, de António-Pedro Vasconcelos, estreia-se com o patrocínio da TVI (também uma das suas entidades coprodutoras).
Não é caso único, como é óbvio. Ao longo dos anos, a RTP tem mantido um apoio regular à maioria dos títulos que se vão fazendo em Portugal, enquanto a SIC tem também no seu historial exemplos de relação criativa com alguns filmes portugueses. Seja como for, o caso merece ser sublinhado, quanto mais não seja porque acontece numa conjuntura em que a simples sobrevivência económica do cinema português não está garantida.
O problema não é de hoje. É mesmo um drama que os ventos novos de 1974 permitiram superar, mas cuja solução permanece adiada. Que nos falta? Gente com talento e criatividade? Claro que não. Condições históricas e patrimoniais para fazer um cinema com identidade própria? Também não. Capacidade técnica e artística de utilizar os mais sofisticados recursos de fabricação dos filmes? Bem pelo contrário.
Falta-nos, isso sim, uma classe política com a coragem elementar de sentar a uma mesma mesa todos os agentes do cinema e da televisão, fazendo-lhes ver duas coisas muito simples: primeiro, que a retórica do “digital” e das novas “plataformas” não significa o esmagamento do cinema pelos padrões (económicos e narrativos) da televisão; segundo, que é preciso criar condições para a estabilização financeira da produção cinematográfica, não apesar das televisões, mas porque isso pode ser também financeiramente interessante para essas mesmas televisões.
Seja qual for o juízo de valor que possa suscitar a cada um, Call Girl é uma boa oportunidade para resolver tais problemas. Esperemos que não seja a confirmação da regra que faz da história do cinema português uma história de oportunidades perdidas.
domingo, dezembro 30, 2007
O melhor de 2007: Os discos
Um ano intenso e cheio de grandes discos. No plano pop/rock internacional 2007 foi rico em grandes acontecimentos, sobretudo junto de figuras com algum tempo de carreira, umas já visíveis, outras agora finalmente reveladas ou reconhecidas (casos de John Vanderslice, Okkervil River, as duas “revelações”, que não o são, do ano). Bons regressos (Joni Mitchell a dar o dito por não dito e Duran Duran com o seu melhor álbum desde 1982). PJ Harvey ao piano. Thurston Moore a solo. White Stripes a manter firme um estatuto que, sabemos definitivamente, não se vai transformar em festa de estádio. Surpresa electrónica com o minimalismo elegante de Pantha du Prince. Confirmação pop de Patrick Wolf e dos The Shins. Pop de sonho com as Au Revoir Simone e Blond Redhead. Pop caleidoscópica dos Of Montreal. Rufus brilhante, ora nas suas canções, ora nas que Judy Garland cantou em 1961 no Carnegie Hall. Na clássica, destaque para a continuação da revelação da obra do ucraniano Valentin Silvestrov, através do catálogo da ECM. E para uma colaboração entre Philip Glass e Leonard Cohen, Na música portuguesa, novamente em evidência Bernardo Sassetti, com a música de Dúvida, peça recentemente reposta no Maria Matos (ver lista nacional mais abaixo).
Disco do ano? Person Pitch, de Panda Bear. Uma abordagem nova e entusiasmante à arte de fazer canções. Sons do mundo real, dos espaços em volta, entram no mundo de fantasias manipuladas por máquinas, sobre as quais a voz optimista de Noah Lennox entoa melodias que lhe mereceram comparações ao tom solarengo dos Beach Boys de 60. Curiosamente, o sol que ilumina estas canções é o de Lisboa, e poucos discos como este sabem mostrar o som do presente numa cidade cada vez mais aberta ao mundo.
1. Panda Bear “Person Pitch”
2. The Shins “Wincing The Night Away”
3. Blonde Redhead “23”
4. Au Revoir Simone “The Bird Of Music”
5. Philip Glass + Leonard Cohen “Book Of Longing”
6. Of Montreal “Hissing Fauna, Are You The Destroyer?”
7. The Good The Bad and The Queen “The Good The Bad and The Queen”
8. Okkervil River “The Stage Names”
9. John Vanderslice “Emmerald City”
10. Valentin Silvestrov “Bagatellen und Serenaden”
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Nacional: Um ano bizarro para a música feita em Portugal. Foi a que mais se vendeu. Mas, como nunca, a quantidade não se projecta na qualidade da oferta. E, aí, apesar de não ter sido o descalabro de 2006, o ano foi ainda aquém do que se viu em tempos passados. Há sinais interessantes de movimentações novas, em português, para possível edição em 2008. De 2007 fica contudo apenas uma mão cheia de álbuns que cumprem, poucos os que surpreendem, menos ainda os que ficarão registados na história, Destaque, aqui, para apenas Bernardo Sassetti, David Fonseca e para os melhores discos, até aqui, dos Micro Áudio Waves e Warygunn. E, claro, para uma sólida homenagem a Adriano Correia de Oliveira que mostra que, com bom casting, um tributo pode resultar.
1. Benardo Sassetti “Dúvida”
2. David Fonseca “Dreams In Colour”
3. Micro Áudio Waves “Odd Size Baggage”
4. Wraygunn “Shangri-La”
5. Vários “Adriano Aqui e Agora”
6. Vários “Fados: Banda Sonora Original”
7. Vários “Lisboa”
8. Clã “Cintura”
9. Pontos Negros “Pontos Negros (EP)”
10. U-Clic “Console Pupils”
J.L.:
Não ouvi todos os discos que queria ouvir... E entre os que nunca pensei ouvir, sobretudo os que em absoluto desconheço, estarão, por certo, maravilhas que me escapam — faço o aviso, confesso, apenas porque odeio o mito da totalidade e também porque não me consigo dar bem com os caçadores dos títulos que “faltam” ou, pior do que isso, com os “cientistas” dos gostos.
Dito isto, acredito que desse lado está uma maioria de ouvintes/leitores/bloguistas que, mesmo não se reconhecendo nesta lista, não se deram mal com as músicas de 2007. Foi possível descobrir, afinal, que entre a revisitação do passado (Rufus, Patti, etc.) e as sínteses do futuro (The Brazilian Girls, pourquoi pas?) há uma multidão de sons que falam às nossas alegrias e medos, com delicadeza, rigor e serena compulsão poética. Mister H.H. está em primeiro, não por qualquer conflito “competitivo”, mas porque o seu álbum de canções de Joni Mitchell me parece uma espécie de cruzamento utópico do melhor da música contemporânea: sem modernismos rebeldes nem divagações maneiristas — apenas porque tudo lá cabe, do romanesco da canção clássica às deambulações do jazz, sem nunca se esgotar numa mera antologia de referências. Já agora, Amy Winehouse pertence à mesma família: oxalá saiba sobreviver, mesmo sendo alvo da estupidez tablóide.
1. Herbie Hancock “River”
2. Amy Winehouse “Back To Black”
3. Rufus Wainwright “Rufus Does Judy at Carnegie Hall”
4. PJ Harvey “White Chalk”
5. Patti Smith “Twelve”
6. Bruce Springsteen “Magic”
7. Björk “Volta”
8. Okkervil River “The Stage Names”
9. The Noisettes “What’s The Time, Mr Wolf?”
10. Brazilian Girls “Talk To La Bomb”
sábado, dezembro 29, 2007
O cenário como personagem
Madeleine e as outras crianças
As imagens de Made-leine McCann passa-ram a fazer parte do nosso quotidiano. De-saparecida há mais de seis meses (3 de Maio), a filha de Kate e Gerry McCann tornou-se uma referência do-minante para a circu-lação de informação sobre crianças desapa-recidas. Anúncios co-mo o que aqui se reproduz (associando Madeleine a Yeremi Vargas, desaparecido nas Canárias) ilustram um padrão de enunciação de um tema inevitavelmente perturbante: a vulnerabilidade das crianças e, por isso mesmo, a responsabilidade dos adultos.
Acredito que qualquer pessoa com um mínimo de compaixão e amor pelo próximo sente dificuldade em falar do caso McCann. Apesar da especulação e desmandos de muitas formas tablóides de informação (escrita e televisiva; portuguesa, inglesa e de todas as origens), acredito também que a maioria dos cidadãos evita entregar-se a processos mecânicos de julgamento, rejeitando as imposturas e equívocos de qualquer justiça “popular”.
Daí também que seja importante interrogarmos de que modo a “avalancha” de informação sobre Madeleine se substitui a outro tipo de informações ou abordagens. Avançar com essa hipótese não é, obviamente, uma forma de rasurar o drama de uma criança desaparecida, muito menos de banalizar a crueldade de tudo aquilo que os seus pais e restantes familiares têm vivido nos últimos meses.
De facto, instalou-se uma espécie de efeito “folhetinesco” na abordagem do caso McCann, como se o desaparecimento de Madeleine fosse um baú de referências (das notícias objectivas à mais vergonhosas especulações) a que, ciclicamente, se recorre. Voltou a acontecer agora, com a mensagem natalícia de Kate e Gerry, falando sobre Madeleine, dirigindo-se ao seu eventual raptor, enfim, remetendo para o número de telefone inscrito na base do ecrã. Dir-se-ia que estávamos apenas perante a variação mais trágica de um registo anódino da televisão mais populista.
Embora correndo o risco de atrair as formas mais dema-gógicas de (des)informação, importa sublinhar que esta atenção regular e obsessiva ao caso McCann acontece no mesmo mundo mediático em que muito pouco se noticia sobre os dramas planetários das crianças. Exemplos? Bastará um, creio, para chamar a atenção para a desproporção informativa em que vivemos. Assim, segundo dados divulgados pela organização internacional Save the Children, o número de crianças a quem, em todo o mundo, não é conferido o direito de frequentar uma escola ascende a 72 milhões. Metade dessas crianças (portanto 36 milhões) vive em países em guerra, sendo muitas delas vítimas de exploração laboral ou forçadas a pegar em armas e integrar forças militares.
Nada disto serve para negar a dor, o sofrimento e o desespero inerentes ao caso McCann. Muito menos para recusar toda a atenção humana e legal que ele justifica. Ficamos, no entanto, a saber que as imagens de uma criança circulam mais do que as imagens (e as histórias) de 72 milhões de outras crianças. É um assunto sobre o qual qualquer jornalista deveria reflectir. Sem processos de intenção nem culpabilizações fáceis. Apenas para perguntar: de que falamos quando falamos das nossas crianças?
Radiohead: o futuro já hoje
Entretanto, fica aqui o prodigioso teledisco de Jigsaw Falling into Place, realizado por Adam Buxton.
sexta-feira, dezembro 28, 2007
A nova United Artists
Há cerca de um ano, quando foi anunciado o relançamento da United Artists, algum jornalismo mais superficial achou por bem insinuar que o envolvimento de Tom Cruise como coordenador geral da produção do estúdio seria uma boa anedota. Surge, agora, Peões em Jogo, primeiro título da nova gestão (partilhada com Paula Wagner, há muitos anos associada a Cruise) e o mínimo que se pode dizer é que estamos perante um dos maiores acontecimentos cinematográficos de 2007 e também um dos mais fascinantes filmes políticos americanos desde JFK (1991), de Oliver Stone.
Dirigido e protagonizado por Robert Redford, Peões em Jogo é um tour de force organizado a partir de três cenários paralelos. Em Washington, um senador (Cruise) dá conta a uma jornalista (Meryl Streep) de uma nova estratégia militar no Afeganistão; numa universidade da Califórnia, um professor (Redford) tenta aconselhar um aluno (Andrew Garfield) a não desistir dos seus ideais políticos; enfim, no Afeganistão, estão envolvidos dois soldados (Michael Peña e Larry Bates) que foram alunos do mesmo professor.
Do cruzamento destas histórias nasce uma visão crítica da América contemporânea que, de forma fria e descarnada, lida com três temas fundamentais: a credibilidade do poder político, as ligações desse poder com os profissionais dos media e a desmobilização dos jovens em relação aos problemas do seu próprio país.
Contornando todos os maniqueísmos (nomeadamente “pró” ou “contra” a administração Bush), Peões em Jogo reaviva a mais nobre tradição liberal do cinema clássico americano. Trata-se de combater as aparências das coisas para discutir a relação de cada um com a verdade dos factos, ou melhor, o esforço de cada um para alcançar (ou bloquear) algum grau de verdade e transparência. É isso que o transforma num grande filme político. Ou seja: num exercício artístico e moral sobre as relações entre o indivíduo e os valores colectivos. É bom encontrar um filme assim, sem efeitos especiais para disfarçar o vazio das ideias. Aqui, como sempre, o melhor efeito especial é o próprio ser humano.
Stephan Oliva: melodias e fantasmas
Na prática de Stephan Oliva, Bernard Herrmann (1911-1975) sempre foi uma referência fundamental. Na obra do compositor de filmes como Citizen Kane (1941), de Orson Welles, Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, ou Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, ele encontrou as bases de uma harmonia paradoxal que, por assim dizer, encontra a sua máxima depuração na solidão do piano. É o que acontece agora, justamente, no álbum Ghosts of Bernard Herrmann, conjunto de 11 exercícios para piano solo a partir de alguns dos temas fundamentais de Herrmann, incluindo o Noturno de The Ghost and Mrs. Muir/O Fantasma Apaixonado (1947), de Joseph L. Mankiewicz, a Suite de Psico (1961), de Alfred Hitchcock, ou o Prelúdio de Obsessão (1976), de Brian De Palma. Mais do que um tributo, trata-se de uma prova real da perenidade das melodias de Herrmann, isto é, da sua espantosa maleabilidade formal — através do piano de Stephan Oliva descobrimos um Herrmann surpreendentemente jazzístico, primitivo, sempre moderno.
quinta-feira, dezembro 27, 2007
O "ar do tempo"
Não tenhamos ilusões: em matéria de cinema, o discurso machista de muitos homens (e mulheres, hélas!...) continua a ser moeda corrente. Ainda hoje, 35 anos passados sobre o aparecimento de O Último Tango em Paris [foto], há muitos respeitáveis ci-dadãos que se deliciam a espe-cular sobre a respectiva “cena da manteiga”, como se isso re-sumisse a tragédia íntima que Bernardo Bertolucci filmou e, sobretudo, a perturbante bele-za das interpretações de Mar-lon Brando e Maria Schneider.
Não tenhamos mesmo ilusões: o filme português Call Girl, produzido por Tino Navarro e realizado por António-Pedro Vasconcelos, vai ser sistematicamente rotulado através dos centímetros de nudez que nos são “concedidos”. Aliás, tal alarido será em grande parte gerado pelos mesmíssimos profissionais da (des)informação que nunca disseram ou escreveram uma única palavra sobre a mediocridade dramática e moral das ficções telenovelescas (com ou sem nus).
Na prática, isso pode ter uma primeira e dramática consequência: a banalização do trabalho da prota-gonista de Call Girl, Soraia Chaves. Ela expõe-se não apenas como uma actriz de corpo inteiro (as leituras possíveis da expressão estão na sua cabeça, caro leitor...), mas como um genuíno fenómeno no interior do nosso cinema. Recuando aos tempos heróicos do cinema novo português, podemos dizer que Soraia Chaves possui esse misto de verdade física e abstracção formal que distinguia a esplendorosa presença de Maria Cabral [foto] em O Cerco (1970), de António da Cunha Telles. A existência de uma actriz assim é uma dádiva estética e comercial para qualquer cinematografia (e faço questão em sublinhar que emprego o adjectivo “comercial” sem a mais pequena conotação pejorativa).
Infelizmente (ou felizmente...), isto acontece numa conjuntura em que as tensões no interior do cinema português são mais violentas do que nunca. Mesmo deixando de parte as muitas quezílias pessoais, cada uma mais vergonhosa que a outra, importa relembrar que o cinema português vive estrangulado por duas concepções extremistas: por um lado, o saudosismo dos que querem reencontrar a “pureza” conceptual dos anos 60; por outro lado, o mercantilismo de “gestores” que nunca tiveram qualquer gosto pelo cinema e pelas suas especificidades, apenas desejando esmagar o mercado através da ditadura dos formatos televisivos.
Há em tudo isto uma paradoxal ironia sobre a qual as avestruzes culturais e políticas poderão reflectir. De facto, Call Girl é um produto que chega ao mercado com a chancela da TVI, precisamente a televisão que, nomeadamente através do Big Brother, mais contribuiu para a degradação formal e afectiva de muitas formas da nossa comunicação contemporânea. Ao mesmo tempo, do mercantilismo das relações humanas à corrupção nos meios económicos e políticos, o trabalho de António-Pedro Vasconcelos possui a virtude simples, mas muito estimável, de apanhar o “ar do tempo”, lançando ao espectador uma proposta muito linear. A saber: “contemplem o vosso presente no cinema português.” Call Girl não precisa de ser uma obra-prima para reconhecermos a verdade, a pertinência e a inteligência dessa sua proposta.
quarta-feira, dezembro 26, 2007
Danças com educação
E agora... os Yazoo?
Em conversa: Nick Mason (3)
Creio que todos adorámos o momento. Foi muito bom podermos tocar juntos novamente, e para um público tão vasto, que nos queria ver. Não há nada como fazerem-nos sentir amados para passarmos um bom momento. Foi também importante fazer algo pelo bem de outras pessoas, o que fez transcender divergências que tivéssemos tido. E pessoalmente foi também muito bom poder mostra aos meus filhos que podemos comportar-nos como adultos, de vez em quando.
Tinham, ao reunir, a certeza que aquele seria um momento que não se repetiria?
Sim.
Não sente saudades de estar em palco com os Pink Floyd?
Gostaria de falê-lo de novo. Até mesmo amanhã, se fosse possível... Se todos o quisessem fazer, também.
Esteve no concerto de David Gilmour no Albert Hall. Bowie, fã confesso dos Pink Floyd logo em 1967, recriou dois temas clássicos vossos...
Gostei sobretudo de o ver a recriar o Comfortably Numb. Fez um trabalho fantástico, uma verdadeira versão. Uma reinterpretação...
Quem vos influenciou como banda?
Várias pessoas... A excitação de ser performers creio que veio dos Cream. Tenho memórias muito vividas de os ver a tocar ao vivo e de pensar que era aquilo o que queríamos fazer. Depois os Beatles. Porque eles transformaram a indústria discográfica. Tornaram possível outro tipo de relação com o estúdio, que até então não existia. Antes os estúdios eram entregues às bandas por uma tarde para fazer um single, e já estava...
E nos anos 70, como foi viver sob a revolução punk, que criticava as grandes bandas, como os Pink Floyd?
Por essa altura estávamos a atingir um certo patamar de conforto e não fomos verdadeiramente afectados. De certa maneira também acabámos influenciados. O Animals tem um influência punk. Na altura estávamos a fazer grandes concertos, a esgotar concertos... E não sentimos a revolução punk a atacar a nossa base de fans. Essa base limitou-se a fragmentar-se, a descobrir novas escolas... Em retrospectiva, penso que não nos sentimos intimidados...
A intensidade da revolução pode comparar-se ao que também houve de revolucionário nos dias do psicadelismo, em finais de 60?
O que se passa é que, à medida que se envelhece, o que fizémos nos anos 60 parece absolutamente certo e o que aconteceu no punk, por seu lado, uma idiotice...
Mas não pensa que, como os Beatles mudaram a indústria discográfica nos anos 60, também o punk o fez em 70, abrindo sobretudo espaço a operações independentes?
Sim, foi mais um veículo que durou algum tempo. Mas depois as pequenas companhias acabaram engolidas pelas grandes.
Porque não abriram os Pink Floyd a sua própria editora?
Penso que o deveríamos ter feito. E só o não fizémos porque nos sentíamos muito confortáveis na EMI. E a EMI até nos deveria ter ajudado a criar a nossa própria etiqueta... Mas tinhamos tanto para fazer... Ter de, além disso, gerir uma editora... E, ainda por cima, nem sempre havia consenso dentro da banda.
É preciso consenso para uma banda ter uma vida longa?
Sim, creio que sim. Caso contrário dada um acaba a desejar fazer uma coisa sua.
Nos Pink Floyd sempre houve um líder evidente.
Consenso até para seguir cada líder...
A banda teve três líderes. Syd, Roger, David... Diferentes entre si, Mas nunca deixou de ser Pink Floyd...
Em primeiro lugar há a questão do som, que cruza toda a obra. Isso não apenas connosco. Veja-se o caso de uns Fleetwood Mac. Quando pensamos quantas pessoas passaram pela banda, ao longo da sua história...
Quem será o público desta caixa comemorativa que agora editam? Os vossos velhos admiradores?
Creio que sim, porque já desistimos de pensar que os miúdos compram álbuns. Basta-me entrar nos quartos dos meus filhos e reparo que não têm um único CD! Têm apenas um iPod. Nem posso acreditar que desapareceu tão rapidamente o gosto por coleccionar discos.
Acha que a música ainda é importante hoje em dia?
Ainda é muito importante para muita gente, sim. Infelizmente há o esquecimento. Há coisas pelas quais se vai perdendo interesse... Quando me perguntam o que ando a ouvir, digo que ainda escuto as bandas que ouvia em 1967 e 68. Agora é também verdade que, hoje, há muitos miúdos a gostar de música. Há milhares de miúdos a fazer bandas! Quando eu era miúdo o rock’n’roll era mal visto pelo departamento musical da escola. Quando os meus filhos passaram pela escola houve uma batalha de bandas, com uma sete ou oito a concorrer. E todos muito capazes...
terça-feira, dezembro 25, 2007
A tradição dos discos de Natal
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A televisão nossa de cada dia
Os poderes do Big Brother
Discutir a segurança do nosso quotidiano e, em particular, a instalação de câmaras de vigilância não pode esgotar-se num labirinto de normas sobre o que “deve” ou “não deve” ser observado. Para além das dúvidas legais, importa perguntar como é que a questão do controlo visual dos cidadãos encontra eco na cultura televisiva dominante. De facto, a generalização dos mecanismos de vigilância é inseparável (no sentido em que é contemporânea) do triunfo de um novo enquadramento mediático das relações humanas. O padrão mais “frívolo” dessa conjuntura está no Big Brother, criado por John de Mol e pela sua companhia Endemol. Claro que o programa Big Brother não se pode confundir com um sistema armado de repressão nem com uma ditadura política. Mas há nele um inquietante efeito de habituação: no fundo, os patéticos protagonistas do Big Brother confessam-nos que abdicaram da sua identidade para se transfomarem em cobaias públicas de todas as misérias do género humano. O problema não se esgota, por isso, no maior ou menor número de câmaras nas nossas ruas. É preciso interrogar também o que as televisões nos mostram, até porque a estética e a ética do Big Brother já invadiram muitos telejornais.
segunda-feira, dezembro 24, 2007
O melhor álbum de Bowie é...
1º Ziggy Stardust – 31%
2º Low – 21%
3º Heroes – 10%
4º Hunky Dory – 9%
5º 1.Outside – 8%
6º Space Oddity – 6%
7º Scary Monsters – 4%
8º Station To Station – 2%
9º The Man Who Sold The World – 2% (*)
... Aladdin Sane – 2%
A lista a votação incluía os 23 álbuns de originais de David Bowie. Abaixo do top ten ficaram classificados Diamond Dogs e Let’s Dance (11º, 2%), Young Americans e Earthling (13º, 1%)), Lodger (15º, 1%), hours... e Heathen (16º, 1%), David Bowie e Reality (18º, 0%) e, a fechar, Pin Ups, Tonight, Never Let Me Down e Black Tie White Noise (23º, 0%). Nenhum disco ficou com zero votos.
(*) Apesar do arredondamento à unidade é possível separar as classificações, pelo número de votos de cada disco.
domingo, dezembro 23, 2007
Discos Voadores, 22 de Dezembro
Sufjan Stevens “Little Drummer Boy”
Vicente Palma “Para Rosalia”
Bernardo Sassetti “Dúvida”
Battles “Atlas” (20º)
Thurston Moore “Honest James” (19º)
PJ Harvey “When Under Ether” (18º)
Alex Beaupain + Gregoire LePrince Riguet + Louis Garrel “As Tu Déjà Aimé?” (17º)
White Stripes “300 mph Outpour Torrential Blues” (16º)
Joni Mitchell “This Place” (15º)
Pantha du Prince “Saturn Strobe” (14º)
Patrick Wolf “Bluebells” (13º)
Burial “Archaengel” (12º)
Duran Duran “Skin Divers” (11º)
The Magnetic Fields “Califórnia Girls”
Pontos Negros “Inês”
David Fonseca “Kiss Me, Oh Kiss Me”
Wrayguynn “Hoola Hoop Woman”
Rufus Wainwright “A Foggy Day” (10º)
The National “Fake Empire” (9º)
John Vanderslice “The Parade” (8º)
Okkervil River “John Allyn Smith Sails” (7º)
The Good The Bad and The Queen “History Song” (6º)
Of Montreal “She’s a Rejecter” (5º)
Au Revoir Simone “A Violent Yet Flammable World” (4º)
Blonde Redhead “23” (3º)
The Shins “Turn On Me” (2º)
Panda Bear “Comfy In Náutica” (1º)
Field Music + outros “The Twelve Days Of Christmas”
Discos Voadores - Sábado 18.00 / Domingo 22.00
Em conversa: Nick Mason (2)
Creio que, de certa maneira, se virmos à distância a história musical dos Pink Floyd, o Meddle parece o sucessor natural de A Saucerful Of Secrets. O Atom Heart Mother é um beco sem saída... O Ummagumma é uma tentativa de abordagem ao nível do indivíduo, e não tem continuidade. Para mim muito do que se mostra em A Saucerful of Secrets manifesta-se em vários momentos posteriores, inclusivamente Dark Side e em The Wall.
Era preciso um tempo de vida antes de poderem criar álbuns como Dark Side Of The Moon, Wish You Were Here ou The Wall?
Penso que seguimos caminhos e, por vezes, tomamos atalhos errados. E isso acaba em desvios. As carreiras nunca seguem uma linha recta.
Há momentos em que se acerta, outros em que se erra...
Precisamente. É muito pouco provável que se faça uma careira só de álbuns perfeitos.
Consegue reconhecer os "erros" dos Pink Floyd?
É difícil... Mas talvez comece por apontar o Atom Heart Mother, que foi uma dessas falsas pistas. Foi divertido de fazer, mas não é um disco onde se reconheçam traços do restante trabalho. E penso talvez, depois, num disco como o The Final Cut. É um bom disco, mas é mais um disco do Roger [Waters] e não tanto o reflexo de uma banda.
O que fez de Dark Side of The Moon o álbum tão influente, popular e marcante em que se transformou?
Muitos factores o justificam. Em primeiro lugar as letras foram escritas a pensar num grupo etário mais velho. Quando se tem 50 anos as letras têm mais relevância que para quem tem 27 anos e as escreve... E a esse nível isso deu ao trabalho um certo nível mais filosófico. Depois, creio que reflectia nas canções algumas ideias de que as pessoas gostavam. A qualidade da gravação, e isso tem a ver com o Alan Parsons, foi excepcional. Depois o Storm [Thorgerson] apareceu com aquele conceito fantástico do prisma, o que deu ao álbum uma capa lindíssima. E resultou porque o disco era em vinil. No formato de CD as imagens ter-se-iam perdido... Mas há ainda o ângulo comercual. Nos Estados Unidos havia um novo presidente na Capitil Records, que queria provar que conseguia fazer bem o seu trabalho. E mostrou isso mesmo com o Dark Side... Se tivesse sido trabalhado pela equipa anterior não teria sido a mesma coisa...
Falou na capa dos discos. A presença, recorrente, do mesmo designer, deu aos Pink Floyd uma identidade visual.
Storm foi sempre uma certa consciência da banda... Muito importante, a sua presença. Era importante ter uma consciência visual do que fazíamos.
Todavia, recorreram ao desenho do cartoonista Gerald Scarfe em The Wall...
Nesse caso havia uma razão muito forte para não recorrer ao Storm. O Gerald estava envolvido, desde o início do projecto. No filme, no concerto... Teria sido má educação obrigar o Storm a entrar depois em cena.
The Wall teve nova visibilidade, recentemente, com a versão de Comfortably Numb, pelos Scissor Sisters. Gostou da versão?
É fantástica! Gostei muito. Assim como de uma versão, disco, de Another Brick In The Wall que foi feita. Gosto muito que façam novas interpretações da nossa música. A menos que sejam coisas desinteressantes, como as bandas de tributo.
Estão em voga. E há várias a tocar Pink Floyd...
São bons e têm sucesso. Mas é triste ver pessoas a fingir que são outras bandas. Sempre pensei que o rock’n’roll tinha muito a ver com uma vontade de cada um se expressar. E não com uma ideia de fotocopiar... Mas se é o que querem fazer, seja. Mas não creio que teria algum interesse em escutar um álbum de uma banda de tributo. E tenho todo o gosto em ouvir os Scissor Sisters. Não quero evitar nunca que alguém faça novas versões da nossa música.
Essas versões abrem portas a novos potenciais admiradores, a novas gerações de ouvintes?
Sim, e por vezes leva também as gerações mais velhas a revisitar o que ouviram no passado.
quarta-feira, dezembro 19, 2007
Memórias de David Byrne no teatro
É este conjunto de peças musicais, para voz recitativa e ensemble de metais, que agora conhece nova edição, numa versão com extras, não só na música, como através de um DVD que exibe a performance original na forma de um slide show. Um complemento interessante na reconstituição, na idade do CD, da obra para teatro de David Byrne, na qual se destaca o há muito reeditado The Catherine Wheel. Musicalmente a abordagem de Byrne reflecte o ecletismo que era já visível na obra dos Talking Heads à altura e que já se manifestara igualmente na parceria com Brian Eno em My Life In The Bush Of Ghosts. A dinâmica das bandas de metais do sul dos EUA (a Dirty Dozen Brass Band foi inclusivamente tida como fonte de referência) é ponto de partida plástico para uma série de desvios e contaminações, umas mais próximas das linguagens da canção pop, outras em clara filiação no minimalismo. O resultado final é cativante e intrigante. A música define atmosferas, brumas, das quais pontualmente aflora a voz falada de Byrne ou uma melodia. Nota ainda para o packaging desta edição, que inclui um extenso texto de memórias de David Byrne, esquiços da cenografia e esquemas e notações musicais.
Em conversa: Nick Mason (1)
Como é uma pequena banda underground se transformou no fenómeno de dimensão global?
Creio que não há uma explicação simples e única para o que nos aconteceu. Para justifucar o sucesso há que pensar em vários elementos. Isto para qualquer banda. No caso dos Beatles, por exemplo, há a escrita das canções. Tinham belas melodias. Mas depois faltam outras coisas, como, por exemplo, a sorte. E podemos dizer que a sorte tem a ver com o facto de se estar no local certo na hora certa. Os Beatles, cinco anos antes, não teriam acontecido. E cinco anos depois não teriam tomado o mundo da mesma forma. Parte do que aconteceu connosco tem muito a ver com uma questão de timing. Viémos depois dos Beatles, que abriram o caminho para uma maior relevância do conceito de álbum. Chegámos naquela fase de finais de 60, com aquilo que eu designaria como um rock’n’roll mais intelectual... As letras tinham começado a falar de assuntos mais além das histórias de amor juvenil...
Mas temos de reconhecer dois tempos de sucesso nos Pink Floyd. O aplauso da crítica, logo em 1967 e, só mais tarde, o verdadeiro fenómeno de vendas de discos.
É verdade. E talvez a forma como as coisas foram acontecendo, nessa escada, que permitiram o que se passou. Houve um processo de crescimento, muito orgânico, que evitou que acabássemos como tantos one hit wonders...
Em 1966 e 67 os Pink Floyd eram o rosto do que acontecia no underground rock’n’roll britânico...
Sem dúvida... Havia os Soft Machine, mas eram diferentes dos Pink Floyd. Até porque nós estávamos a ser transformados numa banda com potencialidades comerciais. Havia um investimento da EMI. E os Soft Machine não editavam singles...
Ao contrário dos Pink Floyd...
Sim, estávamos a tentar chegar ao Top Of The Pops!
Era vontade do grupo ou da editora essa demanda pelo sucesso?
Não faz sentido uma banda de rock’n’roll pensar que está a fazer arte! É quase uma tolice pensar o contrário, porque envolve também uma operação comercial.
Todavia, 40 anos depois, The Piper At The Gates Of Dawn é um disco sobretudo reconhecido pelos seus feitos artísticos...
Sim, da mesma forma que aconteceu com o Sgt Peppers. São verdadeiras contruções... O Sgt Peppers, sobretudo, é uma verdadeira combinação de canções. Não há uma que se destaque das outras e da qual nós possamos afirmar que é a melhor do álbum.
Foi por esse motivo que não extraíram nenhum single de Piper At The Gates of Dawn?
Precisamente.
O disco tinha várias personalidades e persogens em si...
Era uma mistura de acontecimentos. Tinha, por um lado, todo aquele experimentalismo ligado ao psicadelismo e, por outro, um sentido pastoral, rural, muito inglês, muito de Cambridge...
40 anos depois podemos verificar que o álbum de afirmou como um marco do seu tempo...
Confesso que muitas vezes fico surpreendido pela forma como o álbum tem sobrevivido. Há alguns meses falava sobre o disco, quando foi assinalado o seu 40º aniversário. E fiz uma experiência com alguém da editora, perguntando-lhe o que tinha acontecido 40 anos antes de Piper... E verificámos que era o Al Jolson! Era 1927, um outro mundo... Mas 40 anos depois de 67, o facto é que ainda é um disco que se ouve muito bem!
Os Pink Floyd teriam sido uma banda diferente se Syd Barrett tivesse continuado no grupo?
Sim, creio que teria sido diferente. Até porque o Roger teria levado mais tempo a encontrar-se a si mesmo. Mas não sei... Na verdade talvez o Roger já estava apontado ao caminho que tomou... Mas seria difeerente... Como nos Genesis. Se o Peter [Gabriel] não tivesse saído, o Phil [Collins] nunca teria avançado. Talvez nunca tivesse chegado mesmo a saír detrás da bateria.
Os Pink Floyd de 1967 eram a banda de Syd Barrett, como os Rolling Stones de então eram, também, a banda de Brian Jones?
Sim, claramente. Todos sentíamos que aquele disco era, não bem um disco do Syd, porque foi feito por uma banda. Mas ele era ocompositor e o homem da linha da frente.
segunda-feira, dezembro 17, 2007
Caixa com surpresas
David Bowie Box - Caixa de 10 CD, 2007
Com Let’s Dance, em 1983, David Bowie descobriu, pela primeira (e última) vez que um disco podia ser, de raiz, pensado para chegar ao grande mercado. Somou mais êxitos, é verdade, mas depois de 1984 acumulou progressivos equívocos. Consciente da soma de erros nesses quase dez anos, optou em 1993 por reencontros com memórias mais “agradáveis”. Por um lado, em Black Tie White Noise, reavivando antigas paixões pelo rhythm’n’blues. Por outro, aceitando o desafio de compor, com protagonismo de electrónicas e texturas, uma banda sonora para The Buddha Of Suburbia. Assim renasceu o homem pop visionário, o grande compositor, a voz única. Bowie, afinal, vivia de novo, mal imaginando que, à sua frente, residiria um tempo de revelações e criações quase ao nível das melhores que nos dera nos dias áureos de 70.
É precisamente esse período que se segue ao reencontro com a grande forma aquele que se encerra na caixa agora editada. Aqui se encontram os cinco álbuns de originais que Bowie lançou entre 1995 e 2004, os quatro primeiros dos quais, todos eles, dignos de figurar numa selecção dos seus discos mais estimulantes. Todos eles surgem em versões duplas, cada qual com um CD com extras nos quais se juntam ao alinhamento original os lados B associados aos singles extraídos do álbum em questão, assim como remisturas e algumas raridades...
A caixa abre com 1.Oustide (1995), disco que assinalou um reencontro com Brian Eno (desde a trilogia Low, Heroes e Lodger) e que traduz a mais ousada manifestação artística de Bowie desde finais de 70. Conceptual, socorre-se de electrónicas, formas inesperadas e personagens de ficção para contar uma sombria aventura de fim de milénio. De 1997, Earthling é uma continuação destas ideias, contudo mais próximo de uma intensidade rock’n’roll, de referências da música inglesa e de contaminações várias, do industrial ao drum’n’bass. hours... (1999) assinala um primeiro óbvio mergulho no passado, definindo uma nova etapa “clássica” que evoca memórias da pop acústica de Hunky Dory num disco que fala do envelhecimento. Heathen (2002) promove o regresso de Tony Visconti à produção, num álbum que traduz nova expressão do sentido futurista dos dias de Station To Station. Menos interessante, aparentemente criado sob o desejo de levar uma banda rock’n’roll para a estrada, Reality (2003) é o mais recente álbum de Bowie.
O melhor da caixa descobre-se no disco de extras do disco de 2002, no qual se reúnem alguns temas do álbum Toy, no qual em 2000 Bowie pretendia revisitar temas esquecidos de singles que editara nos anos 60 e novas gravações de maquetes soltas de inícios de 70. Um disco que aqui se sugere um perfeito assombro, elo perdido entre a placidez classicista de hours... e a elegância de Heathen. A editora que vetou a edição do disco tirou a Bowie um dos seus melhores álbuns dos últimos anos...
domingo, dezembro 16, 2007
"O Bosque" estreia dia 21 no Teatro Aberto
sexta-feira, dezembro 14, 2007
Qual é o melhor disco de Bowie?
Olhó robot
Oops
Em conversa: Okkervil River (3)
Creio que sim. Era um livro que estava a ler na altura em que escrevi estas canções. A inclusão do livro naquele local procurou ser precisamente essa ideia de sugestão. Goteo do título do livro. Por si só define uma atmosfera. Mas quem ler o livro vai reconhecer que nele se fala muito das peneiras dos artistas.
Acha que os artistas são peneirentos?
Sim, muitas vezes. Os artistas estão em posições invulgarmente confortáveis. Podem fazer coisas incríveis porque são artistas... A história está cheia de exemplos dos excessos que os artistas podem ter porque há quem goste deles. Por vezes as pessoas pensam que, por gostar da obra de um artista, ele será uma pessoa excepcional.
Mas há diferenças abissais, por vezes, entre o artista e a sua arte...
É verdade. Veja-se o caso do Peter Sellers. Gosto muito dos filmes deles, dão uma imagem de um homem bondoso, calmo. Mas, ao que parece, era um tipo egoísta, nada em sintonia com as outras pessoas. Isto mostra que não devemos julgar um livro pela sua capa.
Como é com os Okkervil River? A vossa música traduz os homens que a fazem?
Sim e não. A nossa música reflecte algumas coisas que me interessam e que são importantes para mim. Mas depois penso que muitas vezes preocupo-me mais com a minha arte que com a minha vida. Por outro lado tenho consciência dessa altitude. E, à medida que os anos têm passado, tenho-me tentado adaptar e ajustar. Tenho tentado ser uma pessoa melhor e mais integrada. E menos uma pessoa apenas concentrada no seu trabalho...
E não é habitual essa concentração de atenções no trabalho quando se começa uma carreira?
Estar concentrado na arte que fazemos é a melhor forma de evitar que nos foquemos outras coisas.
Desfocaria as ideias?
Sim. A noção de focagem em algo concreto, para mim, tem quase características patológicas. Estou sempre concentrado em apenas uma coisa.
Nos últimos tempos o vosso perfil mediático tem crescido de forma, talvez, inesperada. Lou Reed afirmou-se vosso fã, inauguraram o Highline Ballroom, tocaram no programa de Conan O’Brien... Como se sentem?
Tem sido óptimo. Temos crescido lentamente. Tenho visto muitas bandas a editar um primeiro álbum que é logo alvo de muita atenção, e que acabam depois por sentir uma pressão enorme. E depois desmoronam... Muitas vezes esses primeiros álbuns são tão elogiados que acabam por dar uma perceopção errada das coisas, desproporcionada. Nunca estivémos nessa posição. Por vezes sentimos alguma infelicidade pelo tempo que este processo tem levado. Mas por outro lado sinto-me melhor por ter sido assim. Todas as bandas têm um caminho, e este é o nosso.
quinta-feira, dezembro 13, 2007
No tempo dos 'Mistérios'
Os melhores discos de Novembro são...
2º Burial “Untrue” – 30%
4º Okkervil River “The Stage Names” – 9%
5º Neil Young “Chrome Dreams II” – 6%
6º The Killers “Sawdust” – 5%
7º The Wombats “A Guide To Love, Loss & Desperation” – 2%
5º Cristina Branco “Abril” – 6%
Em conversa: Okkervil River (2)
Na verdade, Warhol foi uma influência enorme na concepção deste álbum, no pensar daquilo que eu queria que este disco fosse. Atrai-me muito aquela ideia da Nova Iorque de meados de 60, com pessoas meio loucas a entrar e sair da Factory, toda a gente a tomar speed, a dormir uns com os outros e a fazer arte meio louca... Pesoas belas, estranhas... Essa atmosfera interessou-me. Mas falando em concreto das citações que há no disco reconheço que, aí, é o melómano quem fala, tentando comunicar a quem o ouve o quão gosta destas músicas que ouviu ao longo dos anos.
O vosso nome pode ser visto como uma citação [a um conto de Tatyana Tolstaya]?
Hesitaria ao dar essa resposta por definitiva... Há quem pense que sim... Há quem diga que somos uma banda literária. Mas isso pareceria pretencioso. Gosto de ler, contudo...
Muitas vidas de escritores dão grandes livros. O mesmo é possível, para um músico, através de um disco?
Sim, sem dúvida. Tudo o que nos acontece pode ser expresso numa canção, num texto ou numa pintura. Seja um retrato realista do que aconteceu, de facto, seja por uma via mais indirecta. As experiências pelas quais passamos fazem parte de processos de aprendizagem. E por isso abam naturalmente reflectidas nas obras de arte.
Como decide se usa a realidade ou a ficção com possíveis pontos de partida para a criação?
Não sei bem como acontece...
É intuitivo?
Não sei explicar... O que acontece é que sinto que junto palavras às melodias. E não sei como...
Parte de pontos de ideias concretas quando escreve canções ou acaba surpreendido pelas palavras que aparecem?
É mais a segunda hipótese. Sinto que há ideias que me surgem do nada... E então reconheço que são peças que posso juntar numa canção. Não falo de ideias que queira expressar, temas ou mesmo palavras. É mais uma espécie de sensação de algo, que parece trazer algo escondido.
Surpreende-se com as suas próprias ideias?
Sim, bastante. Nunca sei onde começo. Nunca sei, antes da ideia surgir, o que vai acontecer na canção. E as canções mudam muito, à medida que as componho.
Comparando The Stage Names com discos anteriores, em particular Black Sheep Boy, verificamos que este é um disco mais próximo de uma ideia de montra de retratos do dia a dia...
Sim. O universo de Black Sheep Boy era do domínio da fantasia. Um mundo sombrio de fantasia. O Stage Names tem mais a ver com espaços do dia a dia...
Fala, por exemplo, e em concreto, da geração de músicos criados no ‘American Idol’...
De facto... Há muitas personagens neste disco. Vejo-as como personagens de ficção... Imagino-as até num melodrama. Penso sobretudo num filme de Douglas Sirk. Parte da sua melancolia e dor, que são visivelmente de ficção, tem muito a ver com o sentido de realismo das emoções de que se fala. Há uma dor genuína.