quarta-feira, junho 06, 2007

Discos da semana, 4 de Junho

Depois do magnífico, e pouco (ou quase nada) mediatizado This Bliss, de Pantha du Prince, 2007 revela um segundo disco igualmente feito de electrónicas minimalistas, mas capaz das máximas seduções, curiosamente ambos com origem na pequena indie Kompact. Ao contrário do alemão Pantha du Prince, o álbum de estreia do sueco Axel Willner como The Field está a gerar um furacão de entusiasmos quase unânimes, coisa rara num espaço de criação musical onde a expressão mais profunda do gosto na abordagem aos discos costuma ser ainda mais evidente que em outros campos. The Field não é um nome novo nos discos, tendo já somado na sua discografia dois aclamados singles desde a génese do projecto, em 2005. From Here We Go Sublime, apesar de recuperar alguns elementos desses singles, é um álbum de espantosa solidez conceptual. A sua música, de versatilidade evidente, cruza vários destinos habituais nos espaços da chamada “música de dança”, do techno às mais delicadas expressões do microsampling, de breves laivos house ao trance (que se reconhece apenas na extrema, mas eficaz, simplicidade de algumas programações rítmicas). Contudo, no seu todo, exibindo uma personalidade paisagista que engloba e cobre todos os destinos sugeridos, o álbum revela, acima de tudo, uma noção de espaço e de luz que, aos poucos, conquista pela familiaridade que tranquilamente nos vai sugerindo. Cenografias elaboradas, loops ambientais, ocasionais samples vocais, servem um corpo que ora evoca o melodismo contido e obsessivo de Philip Glass (evidente em Mobília), técnicas de construção características em Steve Reich (escute-se o tema-título), a muito presente densidade textural de uns My Bloody Valentine, e pontualmente a milimétrica construção de Akufen. Porém, a visão de Axel é de grande escala e o detalhe existe, mas serve o todo. Uma das melhores surpresas do ano!
The Field
“From Here We Go Sublime”

Kompakt / Flur
5/5
Para ouvir: MySpace


Sinais dos tempos, a revelação por vezes vem de onde menos se espera. E, de um quarto onde ficou fechado noites a fio, há quem dele finalmente saia de disco na mão. Nasce assim o mito do bedroom genious. Mas, dada a actual facilidade de acesso à tecnologia, são mais os quartos habitados que os verdadeiros génios. Nos últimos tempos, aparente génio de facto revelou-se apenas em Khonnor e no espantoso Handwriting. Génio, mesmo assim, ainda à espera de disco sucessor para lhe confirmar estatuto. Novo episódio é agora mediatizado sob a revelação em álbum de Maps, um projecto que não é mais que o nome atrás do qual se esconde a personalidade criativa de James Chapman que, até aqui vivendo discretamente num quarto no Northamptonshire, se mostra agora aos sete ventos como a alma capaz de conciliar a grandiosidade textural de uns Sigur Rós e a densidade cénica de uns My Bloody Valentine com o melodismo pop simples, mas ocasionalmente sedutor, de um Moby. Para ouvidos mais atentos, Maps é um nome já com algum tempo no mapa e, inclusivamente, um primeiro EP discretamente editado em 2006. Em We Can Decide, James revela que não é senhor de visões tão complexas e arrebatadores como as que escutamos nuns Spiritualized, mas mostra já que a sua música é pelo menos mais que uma colcha de ambientes flácidos, ao jeito de uns M83 e outros enganos neo-qualquer-coisa tão celebrados por essa Europa fora. Elouise proclama desde já um sólido patamar de reinvenção de uma pop com sentido de corpo, alma e cenário como a que em tempos escutávamos nuns Curve ou Chapterhouse. Por seu lado, Don’t Fear mostra o que poderiam ser os Sigur Rós se deixassem que a cultura pop se disseminasse um pouco mais no seu sangue. O álbum, apesar de raras vezes atingir o nível destes dois momentos e de revelar mesmo alguma irregularidade, é uma estreia promissora. Mas longe de coisa de génio!
Maps
“We Can Create”

Mute Records (ainda sem edição nacional prevista pela EMI)
3/5
Para ouvir: MySpace


Dois anos depois de The Crying Room, talvez o menos vibrante dos seus álbuns, Perry Blake parece querer renascer sob novos ares e, claramente, outro estado de espírito. A prova chega-nos em Canyon Songs, um conjunto de belas canções onde a vastidão inspiradora (não necessariamente desolada) do deserto inspira outras reflexões a um espírito que há muito sabemos melancólico. A genética partilhada entre a cultura irlandesa e a música country (discretamente presente em alguns momentos do disco) serve de tutano a um disco onde as canções respiram, nas melodias, nas histórias contadas, uma vivacidade e solidez que há algum tempo pareciam excluídas da música de Perry Blake. Plácidas paisagens e gentes da América profunda, numa abordagem que por vezes lembra a forma como esse mesmo imaginário igualmente serviu de referência a Paddy MacAloon (Prefab Sprout) no muito recomendável The Gunman and Other Stories (2001) fazem de Canyon Song uma peça diferente numa obra que já pedia clara “remodelação”. Não tem a intensidade de um Still Life (1999), mas mostra como uma voz muito característica e um gosto igualmente já expresso pela eloquência (na escrita, nos arranjos), conseguiu sair da aparente espiral implosiva em que caíra. O álbum surge, para já, numa primeira edição limitada e numerada, sinal de reforço de uma proximidade entre o músico e o estatuto culto que goza em Portugal. A própria edição local apresenta-se com capa e artwork distintos.
Perry Blake
“Canyon Songs”

Transporte de Animais Vivos
3/5
Para ouvir: MySpace


Há pouco mais de um ano descobrimos Faris Nourallah da melhor maneira possível. Ou seja, numa espantosa antologia que, numa colecção de 20 canções (sob o título Near The Sun), nos dava a conhecer um invulgar espírito quase ermita, um filho de família árabe com morada no coração do Texas. Em tempos, com o irmão, e através dos Nourallah Brothers, correu os circuitos habituais em panorama pop/rock, dos discos aos palcos, estrada acima, estrada abaixo. Agora, sem vontade de sair de casa, grava em nome próprio, oferecendo, com espantosa regularidade, canções aos molhos, que edita ao ritmo de um álbum por ano. Apesar de ter, num passado recente, registado álbuns de excepção, a verdade é que nunca um disco seu de originais consegue repetir a força, variedade e demais qualidades da espantosa antologia com que se nos deu a conhecer. Um best of, de facto! Mas, se Near The Sun nos deu vontade de descobrir o seu passado, ao mesmo tempo foi bitola de exigência que fez do disco de inéditos que se seguiu, Il Suo Cuore do Transístor (2006), uma aparente decepção. Gone, um ano depois, mostra canções mais apelativas, e sobretudo sublinha as cada vez mais evidentes paixões e sonhos pop que a música de Faris Nourallah não quer esconder. É um disco profundamente pessoal na sua escrita. E confirma sobretudo um gosto peculiar pelo design de arranjos que fazem, de troncos de palavras e melodias potencialmente transformáveis em diálogo para voz e guitarra, pequenos monumentos de viço pop sob evidente contraste com a desolação e vastidão monótona da paisagem texana. Gone não repete a excelência de um King Of Sweeden (2005), mas revela um sentido de versatilidade e uma colecção de canções que não vontade de ouvir vezes sem conta.
Faris Nourallah
“Gone”

Awful Bliss / Ananana
4/5
Para ouvir: MySpace


Durante décadas, a música brasileira que conseguiu saltar das fronteiras do país foi aquela que claramente nascia de pressupostos enraizados em tradições musicais made in Brasil. As Cansei de Ser Sexy conseguiram, em 2006, dar ao mundo uma noção de outras paisagens musicais que, brasileiras no passaporte, não procuravam referências em casa, mas antes em genéticas pop/rock britânicas e norte-americanas. São ainda uma banda praticamente desconhecida no seu país, mas, a muitos ouvidos europeus e norte-americanos, através de uma edição global pela Sup Pop, o som mais excitante que hoje chega do Brasil... O Bonde do Role, que chegou a fazer primeiras partes das Cansei de Ser Sexy, são, juntamente com os paulistas Jumbo Elektro, a primeira vaga de wannabes brasileiros a tentar aproveitar a fresta import/export sem tempero mpb nem bossa nova aberta pelas CSS. Contudo, se os Jumbo Elektro pecam pela extrema proximidade das CSS, o Bonde do Role (assinados pela distinta Domino Records), estatela-se perante ouvidos que esperam mais que uma diversão inconsequente em forma de pagode tralálá e já está. Se singles como Solta o Frango ou Office Boy chegaram a levantar curiosidade, sobretudo pela forma como temperos baile funk e genéticas hard rock eram aplicadas por dois DJs e uma cantora em favor de canções com sabor a festa, With Lasers, o álbum, revela a verdade do vazio que mora nas fundações do projecto. As construções rítmicas e musicais são de constrangedor amadorismo, o corta e cola com “sabor a rua” não passa de rudimentar e as palavras que parecem ser crítica não são mais que tola brincadeira sem destino. Uma gracinha para dançar no Verão, e esquecer logo que o frio comece a apertar.
Bonde do Role
“With Lasers”

Domino / Edel
2/5
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Também esta semana:
Kalabresse, Suzanne Vega, Perry Farrell, Marvin Gaye (reedição), Bruce Springsteen (live), Nick Lowe, Keren Ann, Junior Boys (EP), Blanche, Sons da Fala, Marilyn Manson, Pet Shop Boys (DVD), RJD2, Trademark, Lisa Gerrard

Brevemente:
11 de Junho: Apparat, Nico Muhly, Dog Day, Calvin Harris, Digitalism, Van Morrisson (best of), Queens of The Stone Age, Orbital (live), Travelling Wilburys, Amina, Scissors For Lefty, Paul McCartney, Flunk, Mário Laginha, The Sounds (edição especial com CD extra),
18 de Junho: Montag, White Stripes, Mute Audiodocuments (de 10 CD), Nick Drake (best of), Amina, Simian Mobile Disco, BowieMania (tributo a Bowie)
25 de Junho: Editors, Philip Glass, Beastie Boys, Map of Africa, Marc Almond (ed local), Sebadoh
Junho: Bryan Ferry (DVD), Frank Black, Clinic, Ryan Adams, Komputer
Julho: Interpol, Blondie (reedição), Crowded House, Chemical Brothers, Jorge Palma, O. Golijov, David Bowie (DVD)


Estas datas podem ser alteradas a todo o momento