Menus Plaisirs - Les Troisgros: gastronomia francesa filmada por um grande documentarista americano |
Desta vez em terras francesas, o americano Frederick Wiseman faz um filme saboroso (é a palavra exacta…) sobre restaurantes e gastronomia: Menus Plaisirs - Les Troigros integrou a programado do Doclisboa, na secção “Da Terra à Lua”.
[FOTO: Wolfgang Wesener] |
A filmografia de Frederick Wiseman está pontuada por estes exercícios cujo tempo desafia as normas correntes do consumo cinematográfico — para nos ficarmos por aquele que, a todos os níveis, me parece o exemplo mais emblemático, lembremos o prodigioso Near Death (1989), sobre o acompanhamento de doentes terminais num hospital de Boston, com uma duração recorde de seis horas (menos dois minutos…).
Em todo o caso, evitemos o pitoresco. Há uma diferença substancial entre as horas repetitivas, redundantes e monótonas de muitas produções dos estúdios Marvel e o trabalho de alguém como Wiseman, “apenas” interessado em esmiuçar o labor filosófico de quem está apostado em discutir todas os possíveis prós e contras de um suave sabor de amêndoa num molho concebido para um prato de peixe…
À pergunta clássica sobre as eventuais dificuldades para filmar em determinado ambientes muito codificados, por vezes envolvidos em algum secretismo, Wiseman responde sempre com a revelação da sua primeira regra para penetrar em tais ambientes: “Peço autorização.” Assim aconteceu com o restaurante Troisgros que ele conheceu, no verão de 2020, levado por um amigo. De tal modo encantado com a comida e o ambiente, Wiseman perguntou ao Chef, César Troisgros, se o deixaria fazer um filme sobre os seus restaurantes. A resposta chegou meia hora mais tarde: “Porque não?”
Curiosamente, é o próprio Wiseman que, num breve texto de apresentação escrito para Veneza, nos chama a atenção para o cerne criativo do seu trabalho. É certo que fazer um filme sobre um restaurante com 3 estrelas Michelin sempre foi uma das suas “fantasias”. Mas há mais: “Pensei também que um filme sobre um restaurante podia ter relações com a minha série de filmes sobre instituições.”
Lembremos também, por isso mesmo, exemplos modelares como High School (1968), Blind (1987) ou Ballet (1995), respectivamente sobre um liceu, um jardim de infância para crianças cegas e o American Ballet Theatre. Para Wiseman, o “institucional” não é uma chancela mais ou menos oficial, mas sim o sistema de regras e comportamentos de uma entidade pensada e organizada para cumprir tarefas muito específicas. Nesta perspectiva, os restaurantes de Menus Plaisirs existem muito para lá da sedução turística que os possa envolver.
O cinema de Wiseman é mesmo o rigoroso contrário de qualquer banalidade turística. Para ele, não se trata, de modo algum, de recolher imagens “decorativas” para alimentar os nossos olhares viciados nos lugares-comuns do Instagram, mas sim de observar, testemunhar e compreender as infinitas subtilezas de um colectivo humano. Neste caso, a chave de tudo isso estará, talvez, na palavra “plaisirs” que o título integra — para lá do prazer dos cozinheiros e, sem dúvida, dos clientes, somos também convocados pelo prazer de um cineasta que sabe, como poucos, cozinhar as imagens e os sons que regista. Construir um olhar livre é o seu método.