[FOTO: Terry O'Neill, 1966] |
Figura icónica do cinema das décadas de 1960/70, a actriz americana faleceu no dia 15 de fevereiro, na sua casa de Los Angeles, na sequência de uma breve doença — contava 82 anos.
A abundância de notícias que caracterizaram Raquel Welch através de um velho rótulo — sex symbol — envolve qualquer coisa de desconcertante. Não que o seu trabalho como modelo e actriz — da aventura pré-histórica One Million Years B.C./Quando o Mundo Nasceu (1966), de Don Chaffey, até ao portfolio na revista Playboy (dez. 1979), assinado por Chris von Wangenheim — possa ser desligado de conotações sexuais.
Em qualquer caso, a suposta universalidade do rótulo, além de pressupor que a sua significação actual "duplica" o respectivo uso jornalístico há 50 ou 60 anos, mascara o facto de a própria Raquel Welch sempre ter tentado demarcar-se do seu simplismo descritivo, embora, com desarmante franqueza, reconhecendo a importância decisiva que teve no desenvolvimento da sua carreira — veja-se e escute-se a deliciosa conversa de Raquel Welch com Dick Cavett no Lincoln Center, a 12 de fevereiro de 2012 [video], precedendo uma projecção de Os Três Mosqueteiros (1973), de Richard Lester.
Exemplo revelador de tais dualidades pode ser a foto, em pose crística, feita por Terry O'Neill para a promoção de Quando o Mundo Nasceu. De facto, sabendo dos purificadores de todos os quadrantes ideológicos que pululam na cena cultural, valerá a pena colocar uma pergunta de bolso: como é que os guardiões do "iconicamente correcto" tratariam esta imagem se fosse uma produção do nosso presente?
Isto para dizer que Raquel Welch foi, de uma só vez, veículo e símbolo, revelação e máscara, exposição e suspensão, de uma conjuntura de profunda reconversão do estatuto do feminino (não necessariamente feminista): um processo dinâmico, pontuado por muitos contrastes e contradições, vivido ao longo das déc adas de 1960/70.
Com papéis que oscilaram entre as variantes dessa "imagem" e funções mais ou menos "decorativas", Raquel Welch pontuou, afinal, uma época de Hollywood em que a decomposição, ora trágica, ora irónica, das matrizes clássicas foi vivida (e filmada) em tom de "tudo é possível"... Além dos textos já citados, lembremos a ficção científica Viagem Fantástica (Richard Fleischer, 1966), o western Bandolero! (Andrew V. McLaglen, 1968), o policial Uma Mulher no Cimento (Gordon Douglas, 1968), de novo o western 100 Armas ao Sol (Tom Gries, 1969), a comédia burlesca Myra Breckinridge (Michael Sarne, 1970), a comédia dramática A Noite do Pecado (James Ivory, 1975), ou ainda a estranha, estranhemente ambivalente, e muito esquecida comédia "social" que é Mother, Jugs & Speed/Ambulância para Todo o Serviço (Peter Yates, 1976).
Em 1978, a sua participação no show de Os Marretas [video] poderá servir de símbolo exemplar da sua trajectória artística: uma actriz enredada na sua imagem de marca, ao mesmo tempo, inteligentemente, sabendo desmontar os seus próprios clichés.
>>> Trailer de Ambulância para Todo o Serviço (1976).
>>> The Muppet Show (gravado em 25-27 abril 1978).
>>> Lincoln Centre, 12 fevereiro 2012, com Dick Cavett.
>>> Obituário no jornal Los Angeles Times.