segunda-feira, janeiro 02, 2023

10 filmes de 2022 [8]

* BLONDE 
Andrew Dominik

Eis o tempo cinéfilo, bizarramente cinéfilo, em que estamos a viver a nossa condição de espectadores: por um lado, a acumulação/dispersão/indiferenciação das plataformas virtuais existe através de um novo modelo de espectador acidental, dependente dos movimentos de "curiosidade" gerados pelo marketing, quase sempre sem qualquer memória e, em boa verdade, indiferente à possibilidade de construir uma que seja sua; por outro lado, é no streaming que vamos encontrando algumas das experiências mais radicais e fascinantes de criadores que, afinal, mantêm alguma relação, rica e multifacetada, com esse caudal de memórias que define mais de cem anos de história do cinema. Partindo do romance de Joyce Carol Oates, Andrew Dominik é um desses criadores, arriscando revisitar a herança simbólica e mitológica de Marilyn Monroe, virando-a do avesso para expor o magma de vivências contraditórias que sustentam a cristalização icónica da actriz que se chamava Norma Jeane. O filme recusa, por isso, qualquer possibilidade de gratificação anedótica ou paternalista (vícios correntes do espectador acidental), apresentando-nos um ser infinitamente vulnerável nascido da perversa união do irrisório e do sagrado — que Ana de Armas seja capaz de representar isso, eis o que, de tão carnal, pertence ao domínio do milagroso.


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