Através de Crimes do Futuro, reencontramos o fascínio e a inquietação do cinema de David Cronenberg. O filme chegou às salas poucos dias depois de o cineasta canadiano o ter apresentado no LEFFEST — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (21 novembro), com o título 'A pandemia e a Netflix modificaram a paisagem do cinema'.
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Poderá ser um jogo de palavras, mas será que, por vezes, a tecnologia é responsável pelos crimes do presente?
Creio que não é boa ideia cair em generalizações. Seria hipócrita dizê-lo porque há tanta tecnologia que me dá prazer. Hoje em dia, há inúmeras pessoas que têm a sua vida no telemóvel: quando perdemos o telemóvel, sobretudo à medida que vamos envelhecendo, é como se perdêssemos o nosso passado — o meu telemóvel passou a ser uma parte importante da minha memória e, nesse sentido, do meu cérebro. Quantas vezes não nos aconteceu não nos lembrarmos do nome de um actor, mas apenas do título do filme em que o vimos... Que fazemos? Pegamos no telemóvel! Ora, não me parece que queiramos desistir disso. A tecnologia alargou a nossa vida, a nossa condição de seres humanos, inclusive na forma como lidamos com as inevitáveis crises de saúde. Eu tenho 79 anos, quase 80, e não sinto a minha idade [riso]! Por isso, não me parece possível considerar que toda a tecnologia seja criminosa... Mas gosto da ideia [riso]!
Recentemente, Matthew Ball publicou um livro intitulado O Metaverso que, com grande optimismo, anuncia uma nova era para a humanidade, considerando que, nomeadamente através de uma complexa evolução do 3D, se irá superar a Internet tal como a conhecemos — quando desenvolve as suas histórias sobre a tecnologia, pensa também nessas questões?
Sim e não. De momento, o Metaverso, tal como nos chega enquanto projecto do Facebook, não me impressiona especialmente, o que não quer dizer que não possa haver uma versão do Metaverso que possa ser útil. Confesso que não penso muito nisso. Durante a pandemia, por exemplo, muitas pessoas descobriram o Zoom e as reuniões com verdadeiros seres humanos foram substituídas por conferências através do Zoom... Claro que sei disso e, em boa verdade, também tirei partido disso, mas não será propriamente a mesma coisa que os dirigentes do Facebook estão a tentar promover como uma filosofia que vai abalar tudo e todos. Para mim, não vai acontecer.
Como realizador, como encara o facto de haver espectadores que vão ver o seu novo filme numa sala escura, outros num ecrã caseiro?
Eis um exemplo: brevemente, vai ser lançada uma nova cópia do meu filme Naked Lunch/O Festim Nu (1991). Para verificar as cores e a qualidade da transcrição para 4K, vi o filme no meu iPad, não precisei de ir a uma sala. Isto porque a qualidade passou a ser magnífica e controlável. Não sinto a falta do cinema e, honestamente, não vou ao cinema: somos obrigados a ver anúncios, depois há pessoas ao telemóvel, enfim, a maior parte das vezes não é uma experiência agradável. Penso que a pandemia e a Netflix modificaram a paisagem do cinema. E penso também que vai haver cada vez menos grandes ecrãs e grandes salas de cinema. Creio que quem veja Crimes do Futuro no seu iPad terá uma experiência genuinamente cinematográfica.