quarta-feira, dezembro 14, 2022

Avatar ou a morte da cinefilia

2022, JAMES CAMERON

[Publicado em: jjlr_lopes]

Subitamente, a ousadia tecnológica reduz-se a uma banal ostentação maneirista.

Por cruel ironia, o conceito de personagem está esgotado na exibição de um pobre avatar dramático.

A noção clássica de plano (espaço e tempo) foi anulada pelo triunfo da "velocidade" como efeito superficial e único valor de espectáculo.

Restam os detritos de uma filosofia "new age" de libertação através da natureza, definitivamente enquistada numa penosa antologia de lugares-comuns.

O cinema enquanto linguagem foi substituído — em boa verdade, destruído — pela "aceleração" dos jogos de video em que tudo é possível porque não há qualquer pensamento sobre o impossível.

O real como "coisa" impossível de dizer e filmar (noção fulcral de Carl Th. Dreyer a David Lynch, passando por Jacques Tourneur) é assunto alheio a este cinema que, talvez em plena consciência das atribulações do seu trajecto industrial, desistiu de ser cinema.

Infelizmente, Martin Scorsese tem razão: há um novo sistema de poder — e poder de representação — a reger a história dos filmes, a sua prática de produção e também a imaginação e o imaginário dos espectadores.

O combate simbólico da cinefilia está perdido: o amor de cada imagem (e cada som!) é um valor que caminha para o seu apagamento.