A secção Cannes Classics abriu com um acontecimento realmente especial: uma cópia restaurada de La Maman et la Putain, de Jean Eustache — este texto foi está publicado no Diário de Notícias (19 maio).
Foi há quase meio século: a edição de 1973 do Festival de Cannes ficou marcada pela passagem de La Maman et la Putain (A Mãe e a Puta), de Jean Eustache. A sua visão tão desencantada quanto comovente, dir-se-ia a meio caminho entre tragédia e farsa, das atribulações de um homem e duas mulheres — ele, Jean-Pierre Léaud, elas, Bernadette Lafont e François Lebrun — gerou um fenómeno genuíno (hoje em dia quase impossível) de paixões desencontradas, oscilando entre a veneração e o escândalo.
Jean Eustache |
Marcado pela ressaca emocional e ideológica do pós-Maio 68, La Maman et la Putain é, afinal, um filme sobre a mais velha, e também mais assombrada, interrogação humana: como nos relacionamos? Interrogação inevitavelmente pontuada pela brecha filosófica agudizada pelas convulsões da década de 60: que acontece quando um homem e uma mulher se entregam, cada um à deriva no desejo do outro? Ou ainda: haverá maneira de clarificar a primordial dicotomia amor/sexo?
Além do mais, o cinema de Eustache devolve-nos esse carinho pela palavra (escrita e falada), desconhecido do medíocre linguajar que invadiu o nosso presente. Com uma notícia que importa sublinhar: a nova cópia de La Maman et la Putain vai ser distribuída em Portugal pela Leopardo Filmes.