[ 29 abril 2022 ] |
A. Provavelmente — e este provavelmente arrasta uma multidão de pensamentos por pensar —, não é possível encarar nenhuma conjuntura nacional na Europa democrática sem integrar a dicotomia esquerda/direita. Ou, pelo menos, para não cedermos à facilidade de um esquematismo de equívoco poder redentor, uma dialéctica plural: esquerda(s)/direita(s).
B. Em França, na sequência da reeleição de Emmanuel Macron, e tendo já como horizonte estratégico as próximas eleições legislativas, tal questão está a desembocar (sentimos a urgência de um complexo aqui e agora) numa renovada, sem dúvida repetida, reflexão sobre a possibilidade/impossibilidade de união da(s) esquerda(s) — serão reconciliáveis?, pergunta o Libération. Ou como se escreve na primeira página do jornal: "Depois do falhanço da união na presidencial, multiplicam-se as reuniões entre os estados-maiores para tentar unir ecologistas, socialistas e comunistas em torno dos não alinhados [insoumis] tendo em vista as legislativas."
C. É um renovado cenário (que está longe de ser meramente francês) que, como é óbvio, renasce do reconhecimento das lógicas anti-democráticas de alguma(s) forças definidas em função da bandeira da(s) direita(s). Ao mesmo tempo, essa ideia/miragem de uma geometria transparente feita de incontestáveis linhas de demarcação esbarra com um outro tipo de problema que o eleitor anónimo não pode deixar de reconhecer. A saber: que há ou pode haver de comum, ou melhor, de reconciliável entre aqueles que, à excepção das vésperas de alguns actos eleitorais, gastam o seu tempo político & mediático a difamar e denunciar todos os outros que, supostamente, pertencem a uma mesma base político-ideológico e moral que nunca seria afectada pelos acontecimentos concretos da vida material? Ou ainda: as esquerdas estão a fazer história ou a tentar garantir a perenidade mitológica de uma união regularmente desmentida pelos seus actos e discursos?