© Paulo Alexandrino / Global Imagens |
O programa de televisão Lauro António Apresenta e o filme Manhã Submersa são referências centrais do seu trabalho, mas a sua actividade multifacetada passou também pela escrita e pela programação de cinema — Lauro António faleceu aos 79 anos (este texto foi publicado no Diário de Notícias, 4 fevereiro, com o título 'Morreu Lauro António, crítico, cineasta, amante do cinema').
Lauro António faleceu no dia 3 de fevereiro, aos 79 anos, vítima de um ataque cardíaco fulminante. A sua imagem pública tornou-se indissociável da televisão e do seu Lauro António apresenta (TVI, 1994-97), programa que deu a ver muitos títulos marcantes da história do cinema, promovendo o gosto pela descoberta da pluralidade temática e narrativa da Sétima Arte.
Seja como for, tal referência está longe de poder resumir a vida profissional de um verdadeiro amante do cinema que foi crítico, cineasta, programador, conferencista e autor de uma longa bibliografia dedicada ao mundo infinito dos filmes, seus autores e protagonistas. Em tempos recentes, o seu empenho nas tarefas de divulgação traduziu-se na realização do programa “Masterclass de História do Cinema”, às segundas-feiras, no Forum Municipal Luísa Todi, em Setúbal. A relação assim estabelecida com o município da cidade levou à criação da Casa das Imagens Lauro António, na baixa de Setúbal, com a vocação de ser, de uma só vez, Biblioteca, Mediateca e Arquivo.
Inaugurada a 8 de maio de 2021, a Casa das Imagens acolheu o seu espólio em que se destacam centenas de publicações dedicadas a cinema, televisão e todas as áreas do audiovisual. A secção de mediateca integra muitos milhares de filmes — 1500 em cassetes VHS e dez mil em DVD e Blu-ray, além de registos sonoros em cassetes e vinil. O espaço está aberto de segunda a sexta-feira (10/18 horas), e aos sábados (14/18 horas).
Nascido em Lisboa, a 18 de agosto de 1942, Lauro António licenciou-se em História, pela Faculdade de Letras de Lisboa. Ainda estudante, envolveu-se na actividade cineclubista, tendo sido dirigente do Cine-Clube Universitário e do ABC Cineclube.
Começou a escrever regularmente sobre cinema em 1963, no jornal República, vindo a desempenhar um papel central na geração que, ao longo da década de 1960, marcou e transfigurou a prática da crítica de cinema em Portugal, consolidando a sua presença regular nos jornais de grande circulação — nesse aspecto, é fundamental lembrar a sua colaboração nas páginas do Diário de Lisboa (1967-1975).
Escreveu também, por exemplo, nos jornais Diário Popular, Diário de Notícias e Diário de Lisboa (2ª fase), e na revista Opção, ao mesmo tempo que desenvolvia grande actividade como editor, nomeadamente de revistas como Enquadramento, Isto É Espectáculo e Isto É Cinema. Entre as dezenas de livros que publicou, ora com produções originais, ora coligindo textos do seu trabalho como crítico, incluem-se O Cinema entre Nós (D.Quixote, 1968), Cinema e Censura em Portugal (Arcádia, 1977), David Cronenberg: As Metamorfoses Modernas (Fantasporto, 1988), Lauro António Apresenta (Asa, 1994) e Visões de Cristo no Cinema (Biblioteca Museu República e Resistência, 2005).
Porventura menos conhecida do grande público foi a sua faceta de programador. E não apenas em vários certames de cinema, como o Festróia (Setúbal), o Cine-Eco (Seia) ou o Famafest (Famalicão). Foi ele o responsável pela programação do Apolo 70, sala pioneira no interior de um centro comercial (na altura, a designação era “drugstore”): inaugurado em maio de 1971, o Apolo 70 abriu com Tell Them Willie Boy Is Here/O Vale do Fugitivo (1969), um “western” assinado por Abraham Polonsky, durante alguns anos dando a ver títulos fundamentais da actualidade cinematográfica, incluindo Ivan, o Terrível (1945), de Sergei Eisenstein, Um Assassino pelas Costas (1971), de Steven Spielberg, e Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick, a par de diversas retrospectivas de grandes clássicos (por exemplo, as comédias realizadas por Jerry Lewis). Recentemente, a Casa das Imagens anunciara um ciclo de evocação dos 50 anos do Apolo 70, a iniciar a 12 de fevereiro.
Como realizador, ao assinar Manhã Submersa (1980), Lauro António criou um dos acontecimentos simbolicamente marcantes, e também de maior sucesso, de um tempo em que o cinema português ia sendo pontuado por grandes debates sobre os seus trunfos e limites comerciais. O filme nasceu da cumplicidade artística do cineasta com Vergílio Ferreira (1916-1996): antes da adaptação do seu romance, Lauro António tinha já abordado o universo do escritor na curta-metragem Prefácio a Vergílio Ferreira (1975).
Entre os seus créditos como realizador incluem-se ainda, por exemplo, a curta O Zé Povinho na Revolução (1978), a longa O Vestido Cor de Fogo (1985), segundo José Régio, e os telefilmes A Bela e a Rosa e Casino Oceano (ambos de 1983).
O gosto de Lauro António pela investigação e partilha do cinema levou-o a exercer a actividade de professor (IADE, Universidade Nova, Universidade Moderna, etc.), tendo coordenado um grupo de estudos do Ministério da Educação para a integração no cinema no ensino (1990-93). Nos últimos anos, mantinha uma relação regular com os leitores através do blog Lauro António Apresenta… — o seu derradeiro texto, com data de 14 de janeiro é dedicado ao filme O Poder do Cão, de Jane Campion.