David Lynch e Frank Herbert |
Dune é uma das mais ambiciosas super-produções dos últimos tempos: do romance de Frank Herbert ao filme de Denis Villeneuve, é toda uma ideia de juventude que persiste e se renova — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 outubro).
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A primeira versão cinematográfica de Dune surgiu em 1984, numa altura em que Indiana Jones, interpretado por Harrison Ford, era uma bandeira das aventuras cinematográficas. Foi em 1981 que se estreou Os Salteadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg, promovido com uma frase emblemática: “O regresso da grande aventura”. Dito de outro modo: mais ou menos a partir daí (sem esquecer que o primeiro título de A Guerra das Estrelas tinha sido lançado em 1977), os filmes centrados em figuras heróicas, reais ou imaginárias — e, mais tarde, como bem sabemos, em super-heróis —, passaram a ser encarados como matéria prioritária dos grandes estúdios.
Tal como acontece agora, a saga do jovem Paul Atreides e as atribulações em torno do domínio do planeta Arrakis — cujo deserto contém a preciosa “especiaria” que é fonte de vida e poder — não correspondiam aos modelos correntes da aventura. Além do mais, na realização estava David Lynch, autor cujo talento se tinha afirmado através de dois títulos com características bem diferentes: primeiro, Eraserhead (1977), um conto fantástico de orçamento minimalista; depois, O Homem Elefante (1980), retrato íntimo de um ser humano, também ele fantástico, que revisitava, em tom de impecável classicismo, a época vitoriana.
O que seria Dune se antes, em meados dos anos 70, o chileno Alejandro Jodorowsky tivesse conseguido concluir o seu monumental projecto de adaptação? Não sabemos, claro, ainda que a história do seu falhanço financeiro esteja contada no documentário Jodorowsky’s Dune (2013), de Frank Pavich. O Dune de Lynch resultou de um convite do produtor italiano Dino de Laurentiis, na altura com uma presença forte nos mercados internacionais, incluindo os EUA, onde produzira, por exemplo, King Kong (1976), de John Guillermin, ou Ragtime (1981), de Milos Forman.
Lynch já tinha sido tentado a mudar o rumo do seu trabalho, tendo recusado o convite de George Lucas para dirigir O Regresso de Jedi (1983). O certo é que contou com a benção do próprio Frank Herbert para realizar Dune, ainda que isso não tivesse impedido que o projecto se tornasse um quebra-cabeças de produção e, no limite, um objecto à beira do apócrifo — nas suas entrevistas, Lynch deixou mesmo de se mostrar disponível para falar do filme.
Kyle MacLachlan, futuro actor fetiche de Lynch — desde logo como intérprete do agente Dale Cooper na série Twin Peaks (1989-1991) —, teve a sua estreia cinematográfica a interpretar Paul Atreides, liderando um elenco que incluía, entre outros, Patrick Stewart, Virginia Madsen, Max von Sidow e ainda Sting, na altura a viver a ressaca do fim da sua banda, The Police, prestes a iniciar uma carreira a solo (o primeiro álbum, The Dream of the Blue Turtles, seria editado em 1985).
Escusado será dizer que o filme de Villeneuve emana de um contexto bem diferente, ainda que, por inusitada ironia, possamos considerar que o Dune de 1984 e o Dune de 2021 nasceram para cumprir a mesma “missão” de recuperar e, mais do que isso, reconquistar os espectadores que deixaram de ser visitantes regulares das salas escuras: na década de 80, por causa da concorrência feroz das videocassetes, então a viver o seu glorioso “boom” comercial (com o formato VHS a impor-se ao minoritário, mas tecnicamente superior, Betamax); agora, tentando encontrar algum equilíbrio entre salas e streaming (numa conjuntura em que o cepticismo do realizador está longe de ser um facto isolado).
Uma coisa é certa: ao lançar-se na aventura de refazer Dune para uma audiência do século XXI, Villeneuve estava longe de ser um principiante em espectáculos desta dimensão. O seu prestígio foi-se consolidando através de registos mais ou menos devedores da tradição policial — lembremos Raptadas (2013) e Sicário (2015) —, incluindo também uma passagem pelo universo fantástico de José Saramago, com a adaptação de O Homem Duplicado (2013). Entretanto, em fevereiro de 2017, quando Brian Herbert, filho de Frank Herbert, anunciou que Villeneuve iria dirigir o novo Dune, a sua filmografia incluía já a epopeia de ficção científica Arrival/O Primeiro Encontro (2016), estando na altura a ultimar a sequela de Blade Runner (1982), intitulada Blade Runner 2049 (estreada em finais de 2017).