Vem aí o segundo álbum de Billie Eilish [Happier Than Ever] e o seu visual já mudou. Em todo o caso, os cabelos verdes ficaram como emblema de um período de especial criatividade; símbolo juvenil de âmbito universal, fenómeno singular do mundo da música, ela está retratada num belo documentário assinado pelo veterano R. J. Butler — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 março).
De que falamos quando falamos de Billie Eilish? O título do documentário agora em streaming [AppleTV+] pode ajudar-nos a lidar com a dificuldade da resposta: Billie Eilish: O Mundo Está um Pouco Turvo provém de um verso (“The world is a little blurry”) de uma canção do seu primeiro, até agora único, álbum de estúdio, When We All Fall Asleep, Where Do We Go? (2019).
Até certo ponto, estamos perante aquilo que na gíria comercial se designa como “making of”. Acompanhamos as sessões de gravação do álbum, protagonizadas pela cantora e o irmão, Finneas O’Connell, ou apenas, artisticamente, Finneas. As situações vão sendo pontuadas por referências ao síndrome de Tourette de Billie Eilish, e também aos períodos de depressão que viveu, embora o essencial seja sempre a música e a sua produção, incluindo a canção No Time to Die (do filme de James Bond ainda por estrear).
Com algumas nuances: assim, quase tudo acontece no quarto de Finneas, uma pequena divisão em que pouco mais cabe, para lá da cama, instrumentos musicais e computadores… Estamos na casa da família, com os pais a surgirem como personagens regulares, escutando os ensaios, dando as suas opiniões, discutindo as convulsões da vida da filha, estrela do YouTube (137 milhões de seguidores), 19 canções no Top 100 da revista Billboard… enfim, 17 anos de idade!
É verdade. Se o leitor passou os dois últimos anos em viagem por outra galáxia, permito-me informá-lo de três factos objectivos: Billie Eilish tinha 17 anos na altura do lançamento do seu álbum, ganhou cinco prémios nos Grammys de 2020 (incluindo revelação e álbum do ano) e no próximo dia 18 de dezembro completará 20 radiosas primaveras.
Daí a maravilhosa descoberta que é este trabalho documental assinado por R. J. Butler. Vale a pena lembrar que ele é um veterano destas andanças, tendo produzido, por exemplo The War Room (1993), da dupla Chris Hegedus/D. A. Pennebaker, sobre a campanha presidencial de Bill Clinton, e realizado The September Issue (2003), um retrato de Anne Wintour enquanto editora da revista Vogue.
Agora, ele tem a agilidade — e também o pudor — de lidar com Billie Eilish como uma pessoa que não se esgota na fabricação de “hits” (tema que, em qualquer caso, não está ausente). Dir-se-ia que assistimos a um home movie em que cada um, face à música e através da música, se expõe como personagem de um labirinto de muitos afectos, enigmas e revelações. Além do mais, recusando qualquer visão “pitoresca” da adolescência.
Nas relações de cinema e música, não creio que haja muitos filmes capazes de assumir este misto de intimidade e candura. Penso, inevitavelmente, no emblemático Na Cama com Madonna (1991), de Alek Keshishian, sem esquecer uma diferença fundamental: enquanto Madonna surgia como autora hiper-sofisticada das suas próprias imagens, Billie Eilish vive um drama realmente juvenil. A saber: até que ponto as imagens que produzo ilustram (ou mascaram) aquilo que sou? Sem esquecer que assistimos também ao começo do uso dos cabelos pintados de verde.