Pequeno selo, grande memória: retiro esta imagem da página de entrada do site da Cinemateca Portuguesa, um fotograma de Meus Amigos (1974), de António da Cunha Telles, com José Vaz Pereira em função de actor, cometendo o delicioso pecado de abandonar as suas tarefas críticas, cedendo à sedução da câmara de filmar. Assim era JVP: sereno a lidar com os contrastes da vida cinéfila, pose de intelectual citadino, suave e sem preconceitos, voz arrastada, mas firme, de grande secundário da idade de ouro de Hollywood.
Para lá das memórias pessoais, para lá da partilha de filmes e ideias, a notícia do seu falecimento, aos 89 anos de idade, arrasta uma nostalgia especificamente jornalística: a de um tempo em que a actualidade — e, por isso mesmo, o trabalho — da crítica de cinema não estava afectada pela velocidade de um mercado global que a todos nós (críticos e jornalistas em geral) impôs outros ritmos, nem sempre os mais interessantes para pensar os objectos em análise. Ou simplesmente: nem sempre os mais interessantes para pensar.
A herança da escrita de JVP pertence, por isso, ao património dos que, melhor ou pior, querem lidar com os filmes sem os encerrar em dicotomias pueris de "gosto". Que é como quem diz: tentando compreender o que vemos e ouvimos quando um filme nos leva a ver e ouvir. E também a escrever.