O documentário Honeyland dá-nos a conhecer as dramáticas condições de vida numa zona montanhosa da Macedónia do Norte; obteve duas nomeações para os Oscars referentes à produção de 2019 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Agosto).
Há filmes que entram para a história por razões mais ou menos estatísticas. Estreado no Festival de Sundance, em 2019, Honeyland, agora lançado no mercado português com o subtítulo A Terra do Mel, é um desses filmes: em representação da República da Macedónia do Norte conseguiu ser o primeiro filme na história dos Oscars a ser nomeado nas categorias de melhor documentário e melhor filme internacional (sucedâneo da categoria de melhor filme estrangeiro).
Não ganhou, é verdade. Em todo o caso, a sua importância está para lá de tal proeza, decorrendo, justamente, da sensibilidade documental que lhe confere tão delicadas emoções. A dupla de realizadores, Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, passou cerca de três anos na região de Bekirlja, numa zona montanhosa de difícil acesso e cruéis condições de vida. O filme segue a existência de Hatidze Muratova, uma mulher de cinquenta e poucos anos que vive com a mãe doente, tratando com infinita paciência e carinho as suas colmeias.
No início, Honeyland foi concebido como uma curta-metragem. O certo é que o aparecimento de uma família de novos vizinhos de Hatidze, quebrando a solidão da sua vida com a mãe, trouxe ao projecto inesperados elementos dramáticos. Estamos, afinal, perante um fresco sobre uma região de extrema pobreza em que a sobrevivência é uma luta diária, feita de rotinas austeras, muitas formas de angústia e também comoventes sinais de compaixão.
A breve cena em que Hatidze visita a capital Skopje reflecte, com inesperado humor, as singularidades da sua existência. Assim, por um lado, ela tenta vender pelo melhor preço os seus frascos de mel, obtido através de um conhecimento ancestral da vida secreta das abelhas; ao mesmo tempo, por outro lado, essa venda permite-lhe comprar coisas para ela preciosas, como as bananas (de que a mãe tanto gosta) ou um produto para pintar o cabelo.
Neste tempo de heróis digitais e aventuras galácticas, Honeyland oferece-se como um pedagógico testemunho da vocação mais ancestral do cinema. A saber: dar-nos a conhecer personagens e lugares que conhecemos mal ou que, pura e simplesmente, ignoramos. Nesta perspectiva, estamos apenas (mas este “apenas” é essencial) perante um filme que vive da energia primitiva das imagens e dos sons — imagens de uma grandiosidade de inusitada beleza, sons que nos ajudam a sentir a trágica pulsação de um universo longe da civilização urbana.