quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Como Trump pode ganhar as eleições

I. Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, pode muito bem ter entregue a Donald Trump a vitória antecipada nas eleições presidenciais de 3 de Novembro em que ele se vai recandidatar (contra um democrata ainda por escolher). Ao rasgar a sua cópia do texto do discurso 'State of the Union', que Trump acabara de proferir [na base deste post, video e comentários: CNN], Pelosi cedeu à perversa sedução do espaço tele-virtual dos nossos dias. Como? Protagonizando um episódio efémero que, mesmo entendido a partir da mais humana das emoções — uma genuína e legítima revolta contra a demagogia e as mentiras de Trump —, será infinitamente reproduzido como acontecimento deslocado e, em última instância, ofensivo. Em última instância, além da sua inadequada postura institucional, Pelosi foi infantilmente impulsiva e dramaticamente ingénua.

II. Não acontecerá o mesmo com o gesto que Trump e Pelosi protagonizaram imediatamente antes do discurso, com ele a não corresponder à mão estendida com que ela o cumprimentava [video: CBSN].


Porquê? Sem dúvida porque, neste caso, a condição feminina de Pelosi se presta a uma lamentável ampliação mediática. E não deixa de ser triste que os/as militantes de todos os movimentos de defesa dos direitos femininos se mostrem incapazes de lidar com tudo isto expondo, como seria politicamente fundamental, o erro de Pelosi, sem esquecer, como é óbvio, o carácter sistemático da ignomínia de Trump.

III. Forçando-nos a viver a política como uma perversa derivação da reality TV, Trump vai coleccionando trunfos que lhe facilitam o caminho para um eventual segundo mandato. Seria útil que os seus opositores enunciassem a necessidade, para não dizer a urgência, de regressarmos a formas de confronto político que não sejam meras derivações das linguagens aceleradas e fragmentadas que estruturam o espaço definido pela proliferação de todos os nossos ecrãs. O certo é que, nos EUA como na Europa, não se vislumbra uma única figura da cena política que, sem maniqueísmos nem demonizações, se mostre disponível para pensar o poder normativo da televisão.