quinta-feira, julho 18, 2019

Coca-Cola — ter ou não ter rótulo

Não tenhamos ilusões: a apropriação de um discurso transfigurador pela publicidade significa, quase sempre, que esse discurso foi esvaziado de alguma(s) da(s) sua(s) componente(s) de origem. Observem-se as formas correntes e "festivas" de representação dos hippies e compare-se com a angústia sem solução que atravessa um filme como Easy Rider (1969)...
Eis um recente exemplo desse fenómeno de calculada apropriação, tanto mais perturbante quanto mais sedutor: a Coca-Cola está a promover a sua variante de dieta (Diet Coke) através de um conceito de resistência aos rótulos. Mais concretamente: uma nova embalagem do produto apresenta-se sem rótulo.


Que está em jogo? Através da apresentação de várias personagens que podem ser alvo de classificações redutoras (de género, de origem geográfica, de raízes culturais), diz a Coca-Cola que se trata de não vivermos limitados "pelos rótulos que outros nos colocam", de modo a que cada um possa encontrar um território "seguro e aberto".
A pergunta poderia ser: qual a relação entre a liberdade de alguém com uma determinada orientação sexual (seja ela qual for) e uma lata de Diet Coke [*] a que foi retirada a respectiva identificação escrita?
Em boa verdade, a pertinência filosófica de tal relação fica por esclarecer. Saudemos apenas a perversa inteligência semiológica dos autores do marketing da Coca Cola: através do esvaziamento teatral dos rótulos, conseguiram criar um novo rótulo! Que outra explicação pode haver para o facto de a própria escrita da palavra unlabeled [=sem rótulo] se apresentar como um novo ícone com a sua marca registada [TM=trademark]? É a Coca Cola que o diz...

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* NOTA: o autor deste post é consumidor de Diet Coke.