Face às convulsões que, nas últimas semanas, têm abalado a França, o Presidente Emmanuel Macron decidiu dirigir-se aos cidadãos do seu país. Através de uma comunicação televisiva? Não. Por uma vez, um dirigente político contorna as regras do óbvio, apresentando antes uma "Carta aos Franceses".
Trata-se de lançar um debate nacional, tendo as câmaras municipais como primeiros cenários, sobre as grandes clivagens sociais — da carga fiscal aos problemas ecológicos, passando pela "organização do Estado e das colectividades públicas".
Claro que não é possível separar o gesto de Macron de todas as perturbantes questões que o movimento dos "coletes amarelos" tem inscrito no quotidiano francês. E haverá até quem, porventura com algum fundamento, argumente que o Presidente tenta, assim, deslocar o espaço de resposta a tal movimento, procurando relançar a energia simbólica do seu mandato (conquistado a 7 de Maio de 2017, com uma maioria de 66,1%), em última instância começando a preparar, desde já, condições para a sua eventual renovação.
São temas do jogo político, tão legítimas quanto especulativas. Em todo o caso, sublinhe-se a singularidade do gesto escrito. Escusado será dizer que, do site do Eliseu ao Twitter do próprio Macron, a carta está a ser divulgada (e, por certo, conhecida) através dos meios deste mundo virtual em que vivemos. O certo é que, por uma vez, insisto, acontece algo que transcende a criação pueril de soundbytes para circulação instantânea e efémera. No limite, o Presidente francês relança, implicitamente, a possibilidade de sermos leitores do nosso presente — à la lettre.
Libération (14-01-19) |
Le Monde (15-01-19) |