Henry Fonda, Claudia Cardinale, Sergio Leone, Charles Bronson e Jason Robards — rodagem de Aconteceu no Oeste |
Na história do “western spaghetti”, Aconteceu no Oeste ficou como um dos momentos mais espectaculares: o filme de Sergio Leone estreou-se há cinquenta anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias.
Para as gerações mais jovens que frequentavam as salas de cinema em finais da década de 60, os filmes de “cowboys” não eram uma curiosidade rara, mais ou menos pitoresca. Nada disso: as aventuras do Oeste americano eram peças fundamentais do imaginário popular e constituíam mesmo um dos trunfos mais fortes do mercado. Por isso, a estreia de Aconteceu no Oeste, de Sergio Leone, foi celebrada com especial fervor — o épico com Claudia Cardinale, Charles Bronson e Henry Fonda chegou às salas italianas no dia 21 de Dezembro de 1968, faz [hoje] cinquenta anos.
Pormenor a ter em conta: a estreia absoluta ocorreu, de facto, em Itália, uma vez que esta saga do Oeste foi gerada no continente europeu, numa produção de raiz italiana que, em qualquer caso, chegaria aos mercados internacionais através da distribuição de um grande estúdio americano (Paramount). Dito de outro modo: Leone, italiano, nascido em 1929, em Roma (onde viria falecer em 1989), tinha-se afirmado como figura central de um género que entraria para a história com a sugestiva designação de “western spaghetti”.
Que estava, então, em jogo? Antes do mais, uma recriação formal, recheada de ironia, por vezes paródica, do clássico “western” de Hollywood. A trilogia inicial de Leone foi mesmo decisiva na identificação e consolidação do género: Por um Punhado de Dólares (1964), Por Mais Alguns Dólares (1965) e O Bom, o Mau e o Vilão (1965) triunfaram nos mais diversos mercados, além do mais popularizando um actor americano quase desconhecido na Europa, de seu nome... Clint Eastwood.
Nesses filmes, Eastwood era um herói puro, de figura austera e enigmática, impondo os valores do Bem contra a maldade e a corrupção. Aconteceu no Oeste distingue-se por uma diferença que está longe de ser secundária. É certo que Charles Bronson interpreta uma personagem que ainda se distingue por esse modelo de heroísmo: ele é o “homem da harmónica”, pontuando o filme com as notas do tema central na banda sonora composta por Ennio Morricone (colaborador habitual de Leone). Em todo o caso, através da construção do caminho de ferro ao longo da imensidão das paisagens do Oeste, Leone introduz as componentes de uma história atribulada, de uma só vez económica e mitológica, em que as famílias lutam por encontrar um lugar naquela que foi, afinal, a saga de toda uma nação — a pureza dos ideais dá lugar ao pragmatismo, por vezes, à extrema violência das convulsões da história colectiva.
Também para a história, Aconteceu no Oeste ficou como uma epopeia capaz de conciliar a intensidade do fresco histórico com as marcas de um estilo imponente que Leone tinha apurado e depurado ao longo dos filmes anteriores. A cena inicial em que Bronson chega a uma estação de caminho de ferro no meio deserto, sendo recebido por três pistoleiros ameaçadores, ficou como símbolo perfeito da “mise en scène” de Leone — tudo é monumental, desde o mais discreto movimento dos olhares até ao tratamento do espaço no rectângulo do ecrã de “scope”.
A trajectória criativa de Leone acabaria por levá-lo de novo aos EUA para rodar, em Nova Iorque, Era uma Vez na América, tragédia sobre o crime organizado na primeira metade do séc. XX, com Robert De Niro, James Woods e Joe Pesci, entre outros. Lançado em 1984, seria o seu derradeiro filme, um verdadeiro testamento temático e estético.