segunda-feira, dezembro 24, 2018

"A alma é corpo" [citação]

Antonin Artaud em A Paixão de Joana d'Arc (1928), de Carl Th. Dreyer
>>> Estava a pôr-me um problema que é o da doença da alma doente de estar num falso corpo e perguntava-me onde começara essa alma, desde antes do começo, e quem a pusera nesse falso corpo, no qual somos os antigos escravos de um eu, que nunca teve eu, senão de se afirmar diante de nós o nosso, com o auxílio das nossas perdas de corpo, nessas horas sombrias do ser, em que sentíamos que perdemos corpo uma vez que viver é perder-se o seu corpo. E que é assim que caminhávamos para a tumba, pela velhice, a doença, a morte, em vez de irmos a caminho da insurreição eterna alma corpo, e corpo em corpo pela alma, alma sobre alma como corpo sobre corpo. A alma é corpo, e o corpo é alma também, mas não do lado limitável do corpo, mas do ilimitado da alma, que não ultrapassa o seu infinito uma vez que é todo esse infinito que ele mesmo se ultrapassa sempre, não transcendendo o infinito mas tumulizando, como por tumulus de tumbas, tumulizando digo esse infinito.
 
— carta a Jean Paulhan, 10 de Setembro de 1945
(citado por José Gil,
in Caos e Ritmo, Relógio D'Água, 2018)