O título de Fear, o livro de Bob Woodward sobre Donald Trump — ou, mais, especificamente, sobre "Trump na Casa Branca" — provém do próprio protagonista. Numa entrevista que Trump deu a Woodward (e Robert Costa, outro jornalista de The Washington Post), realizada no dia 31 de Março de 2016 (recorde-se que a sua eleição ocorreu cerca de seis meses mais tarde, a 8 de Novembro), ele próprio, com bizarra relutância, define o medo como elemento fundamental do poder: Real power is — I don't even want to use the word — fear.
Curiosamente, para a escrita do livro, Woodward não conseguiu consumar qualquer encontro com Trump — o registo de tal impasse ficou mesmo gravado numa conversa telefónica entre o jornalista e o presidente. Apesar dessa ausência (apetece dizer: através dessa ausência), Fear é, da primeira à última linha, um exercício de investigação e desmontagem da figura de Trump: das peculiaridades do seu carácter, por certo, mas também, para além disso, da configuração política que esse carácter impôs à Casa Branca e à dinâmica social dos EUA, no limite, alterando o lugar institucional do país na esfera internacional e nas relações da geo-política.
Estamos perante um livro tanto mais fascinante, historicamente essencial, quanto os detalhes da sua investigação, por vezes absolutamente incríveis, expõem a vulnerabilidade de um sistema de governação às componentes idiossincráticas do seu líder. Dir-se-ia que Fear consegue ser um espantoso ensaio de investigação política sem deixar de ser um perturbante estudo psicológico — tudo isso pensado, executado e escrito em nome dos valores mais primitivos, e também mais essenciais, do labor jornalístico.
Fear contém, assim, um apelo implícito à urgência jornalística de discutir as encruzilhadas da verdade no mundo contemporâneo. A saber: como garantir o valor da verdade (valor jornalístico e função social) num contexto em que a sua desqualificação surge como arma corrente das formas mais perversas de ataque ao clássico sistema democrático de vida? Porque, escusado será sublinhá-lo, tudo o que está em causa excede o território especificamente jornalístico — é a cidadania que importa ter em conta, quer dizer, a pertença a um colectivo.
>>> Registo de uma conversa de Bob Wooward com Michael Schmidt (New York Times) organizada pela livraria Politics and Prose (George Washington University, 27-10-2018).